LUCIANE SOARES (Doutoranda em Antropologia da UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO, professora na Faculdade de Direito/UFRJ)
Finalmente na última semana de junho de 2007, ano do lançamento de mais um livro com o termo “divisões perigosas” (parece que o perigo fascina alguns antropólogos) para pensar raça no Brasil, o Rio Grande do Sul sai na frente e resolve nosso problema. Vamos por pontos: O espaço público como espaço de manifestação de opiniões é muitas vezes utilizado nas grandes e não apenas tão grandes cidades para pichações nazistas, bem como contra homossexuais. Então qual a novidade interessante nesta pichação?
Neste caso, não temos apenas uma frase direta simples ou o símbolo da suástica. Temos aqui uma articulação mais complexa que colabora na compreensão de algo que tenho pesquisado: Não há insulto racial gratuito. Em pesquisa sobre racismo no Rio Grande do sul, analisando 531 ocorrências de delegacia, foi possível registrar que 171 delas faziam referência a uma condição “anômica”, ou seja, determinada cor de pele é associada à delinqüência e imoralidade. Mas 152 destas ocorrências, relacionavam raça e condição social sugerindo que uma ordem social dada deveria estabelecer que determinados indivíduos pertencem a uma posição social inferior- no Rio de Janeiro, são os favelados, no Rio Grande do Sul, os vileiros, maloqueiros.
Quando um grupo social expressa seu descontentamento contra determinada ação política nos termos que foram expressos em Porto Alegre, estamos diante do problema que SEMPRE balizou discussões sobre raça e racismo no Brasil: o lugar, o espaço social não é disputado apenas com base no desejo por mobilidade social. A cozinha aqui é o sinônimo de todas as senzalas do país, de todos os lugares não vistos, não protagonizados, não iluminados. Quero opor a cozinha ao salão de atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o espaço máximo da consagração, do rito de passagem que concretiza a conversão do capital econômico paterno em capital cultural essencial no século XXI. Este é o lugar dos desfiles de vestidos e fotos, o lugar do espetáculo. Não importa se não existem postos de emprego suficientes para os formandos da turma de direito, engenharia elétrica ou publicidade em 2007. Acima de tudo, este é o derradeiro momento de separação, diferenciação entre aquele estudante que fez uso durante quatro anos dos serviços do restaurante universitário e o funcionário público mal pago que seguirá por mais quatro anos servindo os novos rebentos, vindos da serra, do interior ou da Cidade Baixa. Este funcionário é negro, e nisto os pichadores foram precisos. Provavelmente, suas empregadas domésticas também o são. O fantasma que assombra estas mentes atávicas, insinua que em um futuro muito distante, os professores também poderiam ser negros, assim como os médicos e os juízes.
Portanto, proponho que para avançar nesta discussão, possamos abandonar a questão retórica sobre o problema da raça versus a classe no Brasil, em nome de uma discussão mais construtiva (ou mais séria). Raramente veremos um posicionamento racista (manifesto ou sutil) que não articule em alguma medida cor e pobreza, cor e posição social inferior, enfim, não precisamos eleger uma categoria em detrimento da outra como problemas matemáticos entre conjuntos que pertencem e não pertencem.
Quantas vezes, intermináveis discussões iniciaram quando algum desavisado tentou resolver a esta questão: No Brasil, o problema não é de raça como nos Estados Unidos, e sim de classe. Já ouvi mais de vinte vezes estas discussões entre amigos, doutores, estudiosos, especialistas, motoristas de táxi, policiais, etc..
Finalmente na última semana de junho de 2007, ano do lançamento de mais um livro com o termo “divisões perigosas” (parece que o perigo fascina alguns antropólogos) para pensar raça no Brasil, o Rio Grande do Sul sai na frente e resolve nosso problema. Vamos por pontos: O espaço público como espaço de manifestação de opiniões é muitas vezes utilizado nas grandes e não apenas tão grandes cidades para pichações nazistas, bem como contra homossexuais. Então qual a novidade interessante nesta pichação?
Neste caso, não temos apenas uma frase direta simples ou o símbolo da suástica. Temos aqui uma articulação mais complexa que colabora na compreensão de algo que tenho pesquisado: Não há insulto racial gratuito. Em pesquisa sobre racismo no Rio Grande do sul, analisando 531 ocorrências de delegacia, foi possível registrar que 171 delas faziam referência a uma condição “anômica”, ou seja, determinada cor de pele é associada à delinqüência e imoralidade. Mas 152 destas ocorrências, relacionavam raça e condição social sugerindo que uma ordem social dada deveria estabelecer que determinados indivíduos pertencem a uma posição social inferior- no Rio de Janeiro, são os favelados, no Rio Grande do Sul, os vileiros, maloqueiros.
Quando um grupo social expressa seu descontentamento contra determinada ação política nos termos que foram expressos em Porto Alegre, estamos diante do problema que SEMPRE balizou discussões sobre raça e racismo no Brasil: o lugar, o espaço social não é disputado apenas com base no desejo por mobilidade social. A cozinha aqui é o sinônimo de todas as senzalas do país, de todos os lugares não vistos, não protagonizados, não iluminados. Quero opor a cozinha ao salão de atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o espaço máximo da consagração, do rito de passagem que concretiza a conversão do capital econômico paterno em capital cultural essencial no século XXI. Este é o lugar dos desfiles de vestidos e fotos, o lugar do espetáculo. Não importa se não existem postos de emprego suficientes para os formandos da turma de direito, engenharia elétrica ou publicidade em 2007. Acima de tudo, este é o derradeiro momento de separação, diferenciação entre aquele estudante que fez uso durante quatro anos dos serviços do restaurante universitário e o funcionário público mal pago que seguirá por mais quatro anos servindo os novos rebentos, vindos da serra, do interior ou da Cidade Baixa. Este funcionário é negro, e nisto os pichadores foram precisos. Provavelmente, suas empregadas domésticas também o são. O fantasma que assombra estas mentes atávicas, insinua que em um futuro muito distante, os professores também poderiam ser negros, assim como os médicos e os juízes.
Quem estaria na cozinha?
Portanto, proponho que para avançar nesta discussão, possamos abandonar a questão retórica sobre o problema da raça versus a classe no Brasil, em nome de uma discussão mais construtiva (ou mais séria). Raramente veremos um posicionamento racista (manifesto ou sutil) que não articule em alguma medida cor e pobreza, cor e posição social inferior, enfim, não precisamos eleger uma categoria em detrimento da outra como problemas matemáticos entre conjuntos que pertencem e não pertencem.
Por último um problema que tem me preocupado e que provavelmente nem passe na mente dos pichadores, que talvez não precisem deste serviço, é que no atual contexto político do país, temo que em pouco tempo, sequer teremos a cozinha de um restaurante universitário como um dos serviços essenciais para a permanência de um número significativo de brancos, pardos e negros na universidade pública.
Um comentário:
Olá Colega,
O tema 'Diversidade Cultural' foi debatido em seminário internacional ocorrido em Brasília, e os conteúdos estão organizados neste endereço:
http://www.cultura.gov.br/blogs/diversidade_cultural/
Obrigado pelo bom trabalho!
Saudações.
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