Vera Rodrigues (Antropóloga, pesquisadora associada ao Núcleo de Antropologia e Cidadania da UFRGS, professora da URCAMP e Faculdade Montserrat)
No momento em que, especialmente, a comunidade acadêmica discute a adoção de cotas sociais e raciais na UFRGS, venho a público expor minha trajetória profissional como fruto de um projeto coletivo alicerçado na perspectiva das ações afirmativas. O meu lugar de fala é de alguém que vem se construindo pessoal e profissionalmente, a partir dessa perspectiva.
Portanto, dialogo no terreno da concretude dessas ações e seus efeitos para a sociedade, esperando assim contribuir para um olhar que se projeta para além do “negro” objeto do debate, mas como sujeito. Em 1995 ingressei no pré-vestibular comunitário Zumbi dos Palmares, o qual se inseria em uma ótica de projeto alternativo de educação. Por essa ótica, privilegiava-se a educação popular atenta para as desigualdades sócio-raciais.
O curso funcionava com professores voluntários, em espaços cedidos, dentre eles uma sala na FACED – Faculdade de educação/UFRGS. Este foi meu primeiro contato com esta universidade e, foi a partir daí que resolvi adentrar o seleto grupo dos 2% de universitários negros brasileiros, pois aprendi nas aulas de cultura e cidadania do ZPPV que o acesso a educação constituía um direito primordial ao qual o segmento populacional a que pertenço vem sendo excluído.
Pela primeira vez, eu soube que no “Paraíso tropical” da igualdade e democracia o acesso à educação havia sido construído, já no século XIX, com uma lei complementar à Constituição de 1824 (Império) que proibia os negros de freqüentar escolas equiparando-os aos doentes de moléstias contagiosas - vigor até 1889 (início da República).
Em 1854, o decreto 1.331A instituía a obrigatoriedade da escola primária para crianças maiores de 07 anos e a gratuidade das escolas primárias e secundárias da Corte, com exceção das crianças com moléstias contagiosas e escravas. No Brasil do século XX a Lei no 5.465/68, a qual vigorou até 1990 instituía cotas nas universidades públicas, por meio da chamada “Lei do Boi”, que prescrevia: “Os cursos de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30% a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuam estabelecimentos de ensino médio.” No Brasil do século XXI, as ações afirmativas na educação, especialmente direcionada à população negra e indígena, são questionadas quanto a sua legitimidade !!
Assim em 1999, tornei-me aluna do curso de graduação em ciências sociais na UFRGS. Detalhe: Uma turma (curso noturno), em torno de 50 alunos(as), sendo uma das 03 três únicas pessoas negras. Esta era nossa cota de inclusão. Ao longo do curso, opto pela antropologia depois de ouvir um professor dizer que ali estava o “outro” que ninguém ou poucos queria trabalhar.
Acreditei e me inseri na temática das relações raciais, sendo orientada pelo único professor negro do curso, exemplo de outra cota de inclusão. Em 2004 ingresso no mestrado de antropologia social. Agora, ainda que ao lado de uma colega moçambicana, a cota percentual de inclusão se mantém inalterada. Em 2006, torno-me professora universitária atuante e nos diferentes contextos observo que a cota perdura.
Acreditei e me inseri na temática das relações raciais, sendo orientada pelo único professor negro do curso, exemplo de outra cota de inclusão. Em 2004 ingresso no mestrado de antropologia social. Agora, ainda que ao lado de uma colega moçambicana, a cota percentual de inclusão se mantém inalterada. Em 2006, torno-me professora universitária atuante e nos diferentes contextos observo que a cota perdura.
Atualmente, me preparo para ingressar no doutorado com uma bolsa de um programa internacional de ações afirmativas. Esta trajetória longe de constituir-se pela lógica individualista de “alguém que se fez por si mesmo”, entende que desafio de ser única instiga a contribuir para a mudança desse quadro social. Por essa via, tornei-me pesquisadora e professora compromissada com um conhecimento que não compreende a esfera acadêmica institucional ou a atuação dos seus integrantes como isenta de responsabilidades sócio-politicas.
Vera Rodrigues
Mestre em antropologia social/UFRGS
Professora no curso de ciências sociais/URCAMP - Ciência política/Faculdade Montserrat.
Vera Rodrigues
Mestre em antropologia social/UFRGS
Professora no curso de ciências sociais/URCAMP - Ciência política/Faculdade Montserrat.
Nenhum comentário:
Postar um comentário