quarta-feira, 17 de junho de 2009

A Cota de Sucesso da Turma do ProUni


ELIO GASPARI

A DEMOFOBIA pedagógica perdeu mais uma para a
teimosa insubordinação dos jovens pobres e negros. Ao
longo dos últimos anos o elitismo convencional ensinou que,
se um sistema de cotas levasse estudantes negros para as
universidades públicas, eles não seriam capazes de
acompanhar as aulas e acabariam fugindo das escolas.
Lorota. Cinco anos de vigência das cotas na UFRJ e na
Federal da Bahia ensinaram que os cotistas conseguem um
desempenho médio equivalente ao dos demais estudantes,
com menor taxa de evasão. Quando Nosso Guia criou o
ProUni, abrindo o sistema de bolsas em faculdades privadas
para jovens de baixa renda (põe baixa nisso, 1,5 salário
mínimo per capita de renda familiar para a bolsa integral),
com cotas para negros, foi acusado de nivelar por baixo o
acesso ao ensino superior. De novo, especulou-se que os
pobres, por serem pobres, teriam dificuldade para se manter
nas escolas.
Os repórteres Denise Menchen e Antonio Gois contaram
que, pela segunda vez em dois anos, o desempenho dos
bolsistas do ProUni ficou acima da média dos demais
estudantes que prestaram o Provão. Em 2004, os
beneficiados foram cerca de 130 mil jovens que dificilmente
chegariam ao ensino superior (45% dos bolsistas do ProUni
são afrodescendentes, ou descendentes de escravos, para
quem não gosta da expressão).
O DEM (ex-PFL) e a Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino foram ao Supremo Tribunal
Federal, arguindo a inconstitucionalidade dos mecanismos
do ProUni. Sustentam que a preferência pelos estudantes
pobres e as cotas para negros (igualmente pobres) ofendiam
a noção segundo a qual todos são iguais perante a lei. O caso
Os pobres que entraram nas
universidades privadas deram uma
aula aos demófobos do andar de
cima ainda não foi julgado pelo tribunal, mas já foi relatado pelo
ministro Carlos Ayres Britto, em voto memorável. Ele
lembrou um trecho da Oração aos Moços de Rui Barbosa:
"Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com
igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade
real".
A "Oração aos Moços" é de 1921, quando Rui já prevalecera
com sua contribuição abolicionista. A discussão em torno do
sistema de acesso dos afrodescendentes às universidades teve
a virtude de chamar a atenção para o passado e para a
esplêndida produção historiográfica sobre a situação do
negro brasileiro no final do século 19. Acaba de sair um livro
exemplar dessa qualidade, é "O jogo da Dissimulação -
Abolição e Cidadania Negra no Brasil", da professora
Wlamyra de Albuquerque, da Federal da Bahia. Ela mostra o
que foi o peso da cor. Dezesseis negros africanos que
chegaram à Bahia em 1877 para comerciar foram
deportados, apesar de serem súditos britânicos. Negros
ingleses negros eram, e o Brasil não seria o lugar deles.
A professora Albuquerque transcreve em seu livro uma carta
de escravos libertos endereçada a Rui Barbosa em 1889, um
ano depois da Abolição. Nela havia um pleito, que demorou
para começar a ser atendido, mas que o DEM e os donos de
faculdades ainda lutam para derrubar:
"Nossos filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso
esclarecê-los e guiá-los por meio da instrução".
A comissão pedia o cumprimento de uma lei de 1871 que
prometia educação para os libertos. Mais de cem anos
depois, iniciativas como o ProUni mostraram não só que isso
era possível mas que, surgindo a oportunidade, a garotada
faria bonito.
Publicado na Folha de São Paulo, 17/06/2009

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi, Patrice! Será que ainda lembra deste teu velho colega de Ciências Sociais? heheheheh...é...faz tempo!
Estás em Brasília? sucesso! abs Fabrício Haas