quinta-feira, 30 de julho de 2009

Divers: petites histoires I


Foto: Michel Ducruet

Ensaio: Antropologia e Direitos Humanos

Kílvia Bernardes Cunha (estudante de Ciências Sociais da UnB)

Da articulação entre a Antropologia e os direitos humanos, estes tão evocados e, ao mesmo tempo, questionados contemporaneamente, este ensaio dirige sua atenção para a questão de como a disciplina antropológica e como a categoria dos direitos humanos são repensadas e ressignificadas quando se estabelece um diálogo entre as mesmas. Quanto à Antropologia, primeiramente, veremos como a adoção dos direitos humanos em sua pauta de suas discussões e pesquisas abriu portas para o questionamento de suas bases teóricas (conceituais) e metodológicas. Quando abordados por uma perspectiva antropológica, por outro lado, os direitos humanos são contextualizados e desmistificados.
Tais evidências refletem, ainda, sobre o papel do antropólogo quando este se vê diante de situações por ele não vislumbradas antes durante o momento de pesquisa que o impele a fazer novas indagações sobre o seu fazer antropológico e também de ordem epistemológica. Novas questões surgem diante do debate dos direitos humanos pelos antropólogos e novas configurações sócio-político-culturais igualmente demandam um repensar de certas categorias como a categoria cultura, por exemplo.
Estes questionamentos foram suscitados durante experiências de pesquisas de graduandos de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS. Seus trabalhos estão publicados no livro Antropólogos em Ação: Experimentos de Pesquisa em Direitos Humanos, de 2007. Nos artigos, os alunos buscam problematizar o papel do antropólogo através de reflexões feitas a partir de experiências em projetos e pesquisas.
À luz de três artigos de Luis Felipe Rosado Murillo, Jaqueline Russczyk e Laura Zacher e da bibliografia fornecida sobre os desafios antropológicos no que tange à discussão dos direitos humanos, serão apresentadas diferentes possibilidades de se fazer Antropologia, até mesmo pelo fato de que trata-se de Antropologias e diferentes formas de engajamento antropológico consideradas as situações sociais estudadas.


ENGAJAMENTO ANTROPOLÓGICO E CONSEQUÊNCIAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Dos três artigos selecionados, em dois os autores enfatizam a necessidade de engajamento antropológico, tendo em vista as carências sociais dos grupos por eles estudados. Mais que compreender a realidade social de seus interlocutores, os estudantes buscam, de alguma forma, transformar a realidade local dos mesmos. Luis Rosado Murillo defende tal posicionamento em seu artigo: “Esboço de uma reflexão acerca da posição e do lugar do antropólogo” tendo como referência a dissertação de mestrado de Diego Soares da UFRGS sobre o Movimento dos Sem Terra, o MST (2003). Murillo mostra como através da produção de um discurso acadêmico e nomeador de ações o pesquisador pode ser um aliado de uma causa social. Este mesmo discurso que é carregado de um poder simbólico e produzido por um pesquisador o qual possui um vínculo com uma instituição de renome – o que lhe possibilita a negociação com as lideranças, no caso do MST para a inserção no campo.
Deve-se, entretanto, atentar-se para as “consequências políticas” desta postura equacionando quais os benefícios na defesa de grupos minoritários como os “sem-terra” e também os riscos quando se pretende assumi-los. Quanto à nominação de ações como fez Soares ao denominar de ocupação as atividades do MST, em vez de invasão como faz frequentemente a mídia, deve-se ter em mente o poder de nominação de leis e ações, poder este criador de entidades sociais (Segato, 2006) e de realidades. Ribeiro (2004:6) lembra quanto “classificações frequentemente produzem estereótipos úteis para sujeitar pessoas e povos através de simplificações que justificam a indiferença à heterogeneidade.”
Na mesma linha de pensamento segue a graduanda Jaqueline Russczyk em seu artigo “Dilemas e do fazer antropológico: considerações sobre uma experiência particular”. Nele, Jaqueline divide com o leitor sua experiência como cadastradora na comunidade de remanescentes de quilombolas de Morro Alto em Porto Alegre, no ano de 2005 e sua vivência na comunidade quilombola de Cambará no ano de 2003, pelo Programa Convivência. Em Morro Alto, Jaqueline auxiliou na coleta de dados para Relatório Técnico do INCRA. Este relatório deve conter o perfil socioeconômico dos indivíduos para averiguar quais dentre eles teriam direito à terra. O INCRA é responsável por identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular os territórios quilombolas.
Diante da constatação de uma ausência de infra-estrutura na comunidade de Cambará, onde prevalece a falta de empregos, de água potável e de eletrificação rural, Russczyk apóia uma intervenção acadêmica na comunidade com vistas à resolução de problemas sociais, “um voltar-se para a defesa das minorias discriminadas”, onde cabe ao antropólogo dialogar com o grupo, no caso, os remanescentes de quilombolas com o intuito de compreender suas necessidades e suas concepções sobre direito e justiça, por exemplo. Deve o antropólogo também ser um mediador para permitir ações por parte de instituições do Governo que visem à melhoria da qualidade de vida da população objeto de estudo.
Semelhantemente à Murillo, a autora enxerga nos movimentos sociais, bem como nas instituições do governo e acadêmicas, tomando a expressão de Foucault, agentes produtores de um saber-poder, justificando, assim, sua proposta intervencionista nos grupos minoritários.
Autores como Otávio Velho, Theophilis Rifiotis e Gustavo Lins Ribeiro também apostam em um engajamento antropológico que contesta um relativismo imóvel que unicamente descreve sociedades e não deve para com elas nenhum compromisso ético. Geertz (1999) explora em seu texto este tipo de relativismo à luz das considerações do antropólogo Lévi-Strauss sobre o etnocentrismo, conceito este tido por este autor como algo bom, necessário para a integridade de uma cultura. Geertz, por outro lado, rebate as alegações de Lévi-Strauss e mostra como o contato com valores diferentes dos nossos é enriquecedor para ambas as culturas e um relativismo que contemple trocas é chamado a atuar, de modo a “mudar nossa mentalidade”.
Retomando a questão lançada no parágrafo anterior, para Velho (1995), a Antropologia tem um “papel público” e pode-se dizer aí, político, com as sociedades que estuda. Isso se daria em razão da comprovação de uma falta de crenças e valores na nossa sociedade, o que levaria ao encontro de um homem sem convicções e amarras.
Rifiotis (1998) faz outras considerações a respeito de um engajamento antropológico. Para ele, uma intervenção acadêmica faz-se necessária considerando que os próprios grupos minoritários demandam ajuda e diálogo. Para Rifiotis, a dificuldade reside, porém, como conciliar o discurso científico e a intervenção, de modo que o texto antropológico produzido também possa servir para os grupos estudados.
Por último, Gustavo Ribeiro (2004) afirma o papel político do antropólogo ao explicitar os múltiplos pontos de vista presentes em uma dada cultura e conceder-lhes igual poder de fala.
O terceiro texto de Laura Zacher “Antropologia em campo no campo ou acampada? - Reflexões sobre o lugar do antropólogo junto a uma organização não-governamental na cidade de Porto Alegre” faz outro direcionamento quanto à questão do engajamento do antropólogo num nível não somente prático, de atuação do pesquisador, mas igualmente num nível de ordem metodológica. No artigo, Laura fala sobre a etnografia por ela realizada numa ONG em Porto Alegre surgida em 2004 que trabalha buscando garantir às crianças e adolescentes com menos probabilidade de serem adotados, à, efetivamente, ganhar uma convivência familiar.
A autora expõe angústias e anseios advindos do trabalho de campo na ONG, que depois ela própria após refletir sobre seu posicionamento em campo, de um estranhar de si mesma e não somente o “outro”, faz uma releitura dos mesmos. O estar em campo em busca da compreensão da política desenvolvida pela instituição levou Laura a problematizar não somente as práticas dos participantes da ONG, mas também as suas. Além disso, mais que registrar em caderno de campo suas observações, a estudante passou a dialogar com os atores-objeto-de-estudo, sem, contudo, intervir na realidade por ela estudada, mas como ela mesma diz “interagindo”. Tal decisão livrou-a do incômodo de definir uma posição perante o campo. Laura não era mais nem observadora, o que achava ser uma postura arrogante, nem consultora, mas uma antropóloga que interagia com a realidade social estudada.

A CATEGORIA DIREITOS HUMANOS

Cabe discutir neste ensaio também a própria categoria dos diretos humanos, categoria esta não consensual tanto no meio acadêmico quanto fora dele e motivadora de inúmeras indagações e dilemas.
É a partir do fim da Segunda Grande Guerra Mundial em 1948 que os direitos humanos começaram a ser fortemente discutidos pela comunidade internacional que temia novos ataques nazistas. Representes políticos de países como Estados Unidos e Rússia concordaram na formulação e implementação de uma Declaração Universal dos Direitos do Homem que estipulava os direitos civis e individuais do homem. Schuch (2009) nos mostra quão cheia de controvérsias foi a formulação desta Declaração e como diversos representantes nacionais não tiveram suas participações e opiniões expressas no conteúdo da mesma que privilegiou concepções ocidentais sobre o indivíduo e suas relações sociais.
Além disso, a história mundial nos fornece fatos de como a Declaração Universal dos Direitos do Homem é apropriada de forma arbitrária por diversos atores políticos que dela fazem uso para legitimar opressões sobre povos. Essa apropriação, por outro lado, incita a reivindicação de direitos pelas minorias sociais. Percebe-se aqui como os direitos humanos podem abrir diálogos para a construção de espaços sociais democráticos e como os mesmos igualmente podem autorizar ações autoritárias e que, desse modo, violam estes mesmos direitos.
Ribeiro (2004:2) nos atenta para o “campo de conflitos de interpretações” que são os direitos humanos e Daniela dos Santos (2003) nos apresenta as relações de poder estabelecidas neste campo dos direitos humanos, uma “categoria teórica”, mas também um “discurso político pragmático”.
Santos mostra de que forma as relações de poder refletem no fazer antropológico, este influenciado pelas relações assimétricas entre as antropologias centrais ( Estados Unidos, França e Inglaterra) e antropologias periféricas, estas frequentemente com um passado colonial, como no caso do Brasil. Isto, por sua vez, condicionará a maneira como os antropólogos periféricos apropriarão a categoria direitos humanos e como a antropologia terá suas especificidades/características (teóricas e metodológicas) de acordo com o contexto sócio-cultural-político em que ela se desenvolver. Por isso, a afirmação feita inicialmente no ensaio da existência de Antropologias e não de uma Antropologia.
Esta afirmação pode ser conferida no próprio objeto de estudo das antropologias centrais: o “outro” distante, exótico e da antropologia feita no Brasil, onde o “outro” faz parte da sociedade da qual o pesquisador vive.
Esta tradição disciplinar das antropologias centrais autoriza que o pesquisador intervenha em países periféricos quando observa que direitos humanos estão sendo violados (Santos, 2003). Tal atitude pode ser benéfica ao permitir que tais indivíduos possam ter garantida sua cidadania, mas também bate de frente com questões relativistas: o que é um atentado aos direitos humanos para o pesquisado dotado de valores ocidentalizados, pode não o ser para um indivíduo na China, por exemplo. Quanto a isso, Schuch (2009) cita em seu trabalho a antropóloga americana Laura Nader (1999) quando esta compara dois contextos culturais: o americano e o africano quanto as suas concepções sobre violações dos direitos humanos. Se por um lado, o implante de silicone pode ser tomado como uma violação dos direitos humanos pelo olhar de mulheres africanas, por outro, a retirada do clitóris pelas mulheres americanas é igualmente visto como uma monstruosidade que fere os direitos humanos. Como, então, implementar a noção de direitos humanos que consta na Declaração Universal dos Direitos do Homem em um nível global, tendo em vista diferentes concepções sobre esses mesmos direitos? Como querer que estes direitos tenham caráter universal? As respostas a estas perguntas são as mais variadas.
Schritzmeyer (2008) acredita numa “adesão crítica e sem culpa” aos direitos humanos que supere um relativismo evocado por Lévi-Strauss que se conforma com “cada um no seu quadrado” e que estimule diálogos entre diferentes indivíduos. Boaventura de Sousa Santos (2000) reitera e complementa o pensamento de Schritzmeyer ao propor uma “hermenêutica diatópica” que consiste na afirmação de que as culturas são incompletas. Por isso há a necessidade de um diálogo que contemple uma perspectiva do olhar do outro entre elas que, por sua vez, permitirá a constatação pelas mesmas de que ambas são, de fato, incompletas.

CONCLUSÃO

Este ensaio apresentou algumas formas de engajamento antropológico, considerando-se que o tão propalado “compromisso social, político e ético” para com os grupos estudados pelo pesquisador está na ordem do dia dentro e fora dos âmbitos acadêmicos. Isso pode ser verificado pela atuação de antropólogos como peritos quando o que se está em questão é a demarcação de terras, pelo trabalho deles em organizações não-governamentais, em ministérios e em organismos privados.
O que se deve ser levado em consideração quando os mesmos pretendem trabalhar em suas pesquisas com questões que passam pela discussão dos direitos humanos é de que essa não é uma categoria estável e remete-se a complexas relações de poder travadas por instâncias políticas exterior e, ao mesmo tempo, internamente ao mundo acadêmico. É preciso, pois, uma vigilância quanto “as categorias que utilizamos para descrever realidades” (Schuch, 2009:79) por parte do antropólogo-pesquisador, pois as mesmas possuem consequências políticas já observadas acima no artigo de Murillo (2007).
Além disso, a apresentação de algumas formas de pensar o papel do antropólogo e sua problemática relação com os direitos humanos, evidenciada nos trabalhos dos graduandos e em trabalhos de antropólogos mais experientes mostram o leque de opções, opções estas que são configuradas em campo, no contato com os interlocutores. Por isso, não existe uma única metodologia que dê conta de um trabalho etnográfico. A metodologia na disciplina é constantemente construída assim como a própria Antropologia ou Antropologias é (são) renovada(s) a todo instante. Este é um traço da disciplina, antes tido como uma crise.
O que é importante mesmo é a contribuição que o antropólogo pode dar ao estudo dos direitos humanos utilizando-se de seu instrumental teórico e metodológico para pensá-los, gerando novas apreciações. Da mesma forma, o conceito de direitos humanos obriga o pesquisador a repensar suas categorizações, seus pressupostos. A categoria, cultura, por exemplo, sofre uma reformulação quando se introduz o estudo dos direitos humanos. A cultura antes tida como fechada, compartilhada, consensual, é observada por outro ângulo que lhe confere características opostas às citadas.
Não me propus de forma alguma a escolher a “melhor forma” de pensar o trabalho do antropólogo e seu diálogo com os direitos humanos. Repito que o contexto é que definirá os instrumentos e as reflexões epistemológicas suscitadas no campo que tanto contribuirão para o fazer antropológico.
Concluindo com uma questão que foi levantada por Schuch (2009) citando Kant de Lima (1995), é difícil pensar em direitos humanos tendo em vista um sistema jurídico brasileiro cujo tratamento dos seus “sujeitos de direito” por suas diversas instâncias se dá de forma hierárquica e desigual. Como, portanto, pensar direitos humanos se a estrutura jurídico-política do país é permeada por contradições e atravessada por relações de poder?

Referências Bibliográficas:

MURILLO, Luis Felipe Rosado (2007). : “Esboço de uma reflexão acerca da posição e do lugar do antropólogo” in FLEISCHER, Soraya; SCHUCH, Patrice e FONSECA, Claudia (Org.) Antropólogos em Ação: Experimentos de Pesquisa em Direitos Humanos. Porto Alegre: Editora Da UFRGS, 2007.223P.
RIBEIRO, G. L. . Cultura, Direitos Humanos e Poder. Mais além do império e dos humanos direitos. Por um universalismo heteroglóssico. In: Claudia Fonseca. (Org.). Antropologia, Diversidade e Direitos Humanos. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004.

RUSSCZYK, Jaqueline Rosado (2007). : “Antropologia em campo, no campo ou acampada? – Reflexões sobre o lugar do antropólogo junto a uma organização não-governamental na cidade de Porto Alegre” in FLEISCHER, Soraya; SCHUCH, Patrice e FONSECA, Claudia (Org.) Antropólogos em Ação: Experimentos de Pesquisa em Direitos Humanos. Porto Alegre: Editora Da UFRGS, 2007.223P.
SANTOS, Daniela C. C. . Antropologia e Direitos Humanos no Brasil. In: Roberto Kant de Lima. (Org.). Antropologia e Direitos Humanos 2. 1 ed. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2003, v. 1, p. 11-36.

ZACHER, Laura Rosado (2007). : “Dilemas e desafios do fazer antropológico: considerações sobre uma experiência particular” in FLEISCHER, Soraya; SCHUCH, Patrice e FONSECA, Claudia (Org.) Antropólogos em Ação: Experimentos de Pesquisa em Direitos Humanos. Porto Alegre: Editora Da UFRGS, 2007.223P.

SCHUCH, Patrice. “Entre o real e o ideal: a Antropologia e a construção de enunciados sobre direitos humanos”. In: Práticas de justiça: antropologia dos modos de governo da infância e juventude no contexto pós-ECA. POA, Editora da UFRGS, 2009.
RIFFIOTHIS, Theophilos. “Direitos Humanos: declaração, estratégia e campo de trabalho”. Trabalho publicado no Boletim da Associação Brasileira de Antropologia, n° 30.
SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. A defesa dos direitos humanos é uma forma de “ocidentalcentrismo”? Trabalho apresentado na 26ª Reunião Brasileira de Antropologia. Porto Seguro, 2008.
RIBEIRO, Gustavo Lins. “Cultura, direitos humanos e poder. Mais além do império e dos humanos direitos. Por um universalismo heteroglóssico”. In: FONSECA, Cláudia, TERTO JR, Veriano, e ALVES, Caleb Faria et al. Antropologia, diversidade e direitos humanos: diálogos interdisciplinares. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
SOUZA SANTOS, Boaventura de. “Por uma concepção multicultural de Direitos Humanos”. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.). Identidades, Estudos de Cultura e Poder. SP, Hucitec, 2000.
SEGATO, Rita Laura. “Antropologia e Direitos Humanos. Alteridade e Ética no movimento de expansão dos direitos universais”. Mana, vol. 12 n° 1. RJ, 2006.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Foto retirada de: rogerhollander.files.wordpress.com

“A única luta que se perde é a que se abandona”
Hebe Bonafini, Madres de la Plaza de Mayo

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Entrevista com antropólogo Pablo Círio: "El argentino no está preparado para ver los negros"



Por Leonardo Moledo y Nicolás Olszevicki
Publicado em:Página 12, 27/07/2009
Foto:Rafael Yohai



Los descendientes de africanos en Buenos Aires sufrieron un mecanismo consciente de invisibilización. Lo cierto es que los negros están y existen. Pablo Cirio se ocupa de estudiar a y con los afroporteños, que cuentan entre sus filas a ciertos famosos que reniegan de su estirpe y que influyeron decisivamente, quiérase o no, en muchas de las más ponderadas creaciones nacionales.

–Usted es antropólogo, pero trabaja con la música.
–Efectivamente. Mi especialización es la música en contextos socioculturales, concretamente, ahora, en la población afroargentina (es decir, los descendientes de negros africanos esclavizados en la época colonial hasta 1861, que fue el año real de abolición de la esclavitud en nuestro país).

–¿Por qué fue el año real?
–Generalmente se cita la libertad en 1813, pero ésa fue una libertad formal. La esclavitud, de hecho, siguió funcionando; los esclavos siguieron estando bajo condiciones de servidumbre en las casas de sus amos. En 1861, Buenos Aires suscribe a la Constitución Nacional, y es en esa Constitución donde realmente queda abolida la esclavitud.

–¿Era una población de cuánta gente?
–Las cifras son muy endebles. Uno a veces piensa que los censos son abstracciones matemáticas puras y duras pero, desde las formas de diseñar un censo hasta las maneras de contar a las personas, hay mucha incidencia de factores culturales. Tal es así que en 1887 es el último censo nacional en el que se cuenta a la población negra de manera diferencial. Después de 1887 los censos no incluyen la categoría “negro” y crean otra categoría que es la categoría de “trigueño”, que formó parte de un mecanismo de invisibilización de la negritud. Lo que los censos reflejan no es la realidad como una fotografía de la época, sino cuestiones ideológicas. En 1887, en Buenos Aires dan como población negra un 1,8 por ciento (que parece mínima). Para ese período, sin embargo, la comunidad negra tenía una prolífica actividad social y cultural: entre ellos funcionaban 20 periódicos, había cerca de 100 entidades afroporteñas (entre sociedades carnavalescas, de ayuda mutua, etc.), había centros políticos, artísticos, culturales...

–Y el mito de que los negros fueron barridos por la fiebre amarilla y la guerra del Paraguay, ¿es realmente un mito?
–No, eso es verdad. Hay varios supuestos que cualquier argentino podría enumerar si se le pregunta por qué no hay población negra en la Argentina. La primera argumentación es que acá hubo algunos hechos históricos y sociales en los que murieron masivamente: las guerras de la Independencia, la guerra del Paraguay. Como quedaban muchas más mujeres negras que hombres, comenzaron a casarse con blancos y la descendencia comenzó a decaer. Esas razones existieron, pero no explican por qué hoy, en 2009, una parte significativa de la población argentina se reconoce descendiente de esclavos negros y mantiene su cultura vigente.

–¿Y dónde están?
–Bueno, ahí está el segundo mecanismo de negación de la negritud. A cualquier argentino que se le pregunte sobre los negros en la Argentina va a contestar: “Bueno, pero yo no los veo por la calle”. Lo que pasa es que habría que ver por cuáles calles camina nuestro interlocutor: Buenos Aires es una ciudad muy grande y el resto del país ni hablemos. Hay muchas calles, muchos barrios, muchas geografías sociales y culturales. Lo que yo le puedo decir es que ellos están y viven. Así como los censos son un recorte cultural e ideológico, nuestra mirada es también un recorte cultural e ideológico. Uno no mira naturalmente, mira condicionado por la educación, por factores históricos, por intereses y por silencios. Cuando uno tiene el ojo entrenado, puede ver cosas que otra persona no ve. El argentino, en su ideario identitario, no está preparado para ver a los negros. Pero... ¿por qué no podemos verlos? Ahí hay una cuestión delicada. Yo le voy a hablar de los afroporteños, cuya situación es distinta a la de los afroargentinos del interior del país (en cuanto a estrategias de preservación y divulgación de su cultura). Los afroporteños han elegido conscientemente no mostrar su cultura puertas afuera de sus casas. Esa fue una estrategia de preservación y defensa frente a algunos avasallamientos que se vinieron dando en las últimas décadas del siglo XIX. Hay que tener en cuenta siempre que en 1861 es la abolición de la esclavitud y ya en 1863 se empezó (con una nota publicada en los almanaques de la época) a hablar de la inminente desaparición biológica y cultural de los negros. De 1863 hasta el presente, ese tópico se viene repitiendo periódicamente en la prensa, en los académicos, en los políticos, en los intelectuales. “No quedan más negros, ya no hay más tradiciones negras”, se dice. Eso también fue responsabilidad de la propia comunidad negra, que decidió mantener su cultura puertas adentro para evitar ser objeto de burla o de humillación pública (en los carnavales, por ejemplo). Esa estrategia se mantuvo vigente hasta hace dos o tres años. Puertas afuera se mezclaban con los ciudadanos comunes y corrientes, y trataban de mimetizarse con la blanquedad. Eso hizo un engranaje nefasto con el pensamiento blanco que, o bien no los veía (no los quería ver) o bien los extranjerizaba. Es muy común que, cuando uno ve un negro en la calle, piense automáticamente que es brasileño o africano. Si bien es probable que muchos sean de ese tronco, muchos de ellos pueden ser tranquilamente afroargentinos y nosotros ni siquiera lo pensamos. Otra cuestión delicada es la del mestizaje cultural y biológico. Los negros se han mezclado con población blanca y con población aborigen. Ese mestizaje nosotros no podemos verlo. Nosotros vemos en términos absolutos: se es absolutamente negro o blanco. No podemos ver el producto de la mezcla cultural. Y América es eso, en realidad: una mezcla de culturas. Eso derivó, sumado a los grandes índices de pobreza que hay entre la población negra, en la migración del concepto de negritud al concepto de pobreza. Se empezó a hablar de negro no en términos étnicos, culturales e históricos sino en términos de pobreza. Cuando hoy uno habla de negros, eso tiene un sentido socialmente despectivo. Se está racionalizando una cuestión económica y social.

¿Qué relación hay entre los “cabecitas negras” y los afroargentinos?
–Yo me atrevería a decir que son lo mismo. Cuando se habla del negro, del cabecita negra, estamos pensando en la mezcla de criollos con aborígenes, pero no tenemos en cuenta la tercera raíz de la Argentina. La española es una, la aborigen es otra, pero falta la negra. Esa es la otra pata del mestizaje, que falta en nuestra historia. Esa otra pata fue diluida, fue solapada, fue acallada. Y fue una estrategia consciente por parte de la generación del ’80 en su afán de construir una moderna Nación Argentina. Para eso era clave el ideario blanco (que se mantiene virtualmente intacto). Y, como nadie habló con los afroargentinos a nivel de investigación (siempre se habló sobre ellos, de ellos, en contra de ellos), se me ocurrió que era interesante hablarles. Y lo que dicen es muy interesante.

–¿Qué dicen?
–En este país de ausencias, ellos se consideran los primeros desaparecidos. La pregunta es por qué: si ellos están, si ellos viven, ¿cómo se pueden considerar desaparecidos? La respuesta es que son desaparecidos de Africa: sus ancestros fueron secuestrados de su continente y traídos compulsivamente, esclavizados, a esta tierra.

–Los que viven ahora, ¿son afroporteños puros?
–No existe el concepto de pureza, en ningún aspecto. Ese concepto se toma de la biología o de la culinaria, pero en términos culturales eso no existe (porque uno trata de ponerle valor a eso). Acá fueron traídos muchos grupos diversos del Africa negra, de cuyos nombres no se acuerdan ni los propios descendientes. Porque ellos también quisieron olvidar ese pasado. La mayoría son del tronco bantú, del centro-sur de Africa. Hablar de ese tronco es hablar de medio continente africano. Esos grupos, a su vez, se mezclaron entre sí, y se mezclaron con los blancos, y se mezclaron con indígenas, y de ahí provinieron todos los descendientes. Yo, antes de pensar en términos de pureza o impureza, prefiero pensar en los afroporteños como aquellos que se reconocen descendientes de esclavizados y que mantienen valores de su cultura.

–¿Cómo cuáles?
–La música, la religión, el idioma, la culinaria.

–¿Y qué idioma conservan?
–Bueno, lo que pasa es que el idioma no está disociado de la variación cultural. Se conservan, por ejemplo, cantos arcaicos (posiblemente originarios de Africa) que están en lenguas arcaicas del tronco bantú. Yo he podido traducir una de esas canciones, que ni siquiera ellos saben qué significan, dado que las cantan por fonética. Eso, a su vez, se fue deformando con los siglos, lo cual lo hace aún más complicado. Pero se mantiene, más o menos, el vocabulario. Y mucho de ese vocabulario permeó al lunfardo: mucama, quilombo, catinga. Mucho quedó igual. Y mucho fue variando por las circunstancias históricas del país, por ejemplo, “chongo”. En la comunidad negra, eso significa persona blanca. Fuera de esa comunidad, eso significa otra cosa. Ellos, también, preservaron palabras que no pasaron al lunfardo: mundele (un tipo de carne de vaca) o calunga (cementerio) o tute (caliente). En su habla coloquial, ellos usan esas palabras, que por cuestiones históricas no pasaron a nuestro idioma general.

–¿Y dónde se los encuentra?
–Bueno, la ciudad de Buenos Aires es muy grande, y a eso hay que sumarle el continuum poblacional que es el Gran Buenos Aires. Estamos hablando de un área de más de 10 millones de habitantes. Por cuestiones de pobreza, a través de las sucesivas crisis que fue atravesando el país, la pobreza actuó como fuerza centrífuga y los fue alejando del centro. A fines del siglo XIX, ellos vivían en los históricos barrios de Montserrat, San Telmo y San Cristóbal. Con diferentes crisis, ellos fueron yéndose hacia Flores. En la primera mitad del siglo XX, ellos vivían allí. De hecho funcionó un club llamado La Armonía, en el que se bailaba su música. Hoy, en su mayoría, viven en Merlo, en Ituzaingó, en Paso del Rey, en La Tablada, en La Matanza, en Valentín Alsina, en Lomas de Zamora. Una pequeña población queda en Buenos Aires, pero muy pequeña. Ahí habría que hacer una aclaración. Ellos son todos afroporteños, pero internamente se dividen en dos subcategorías. Los negros usted y los negros che. Los negros usted, que son una minoría, son los pocos que lograron una posición de elite económica e intelectual, a fuerza de deshacerse de su lastre étnico y de no comprometerse con su cultura ancestral (y, por lo tanto, de abrazar el ideario blanco de ciudadano). A algunas de esas personas negro usted las conocemos muy bien, porque son personas de la farándula, o de la política, y, por una cuestión cultural, nosotros no los podemos ver como negros (y ellos tampoco se reconocen como negros).

Segue. Ver: http://www.pagina12.com.ar/diario/dialogos/index.html
Publicado em Página 12, 27 de julho de 2009.

Nota de Repúdio do DCE/UnB à Ação do Democratas contra o sistema de cotas da UnB

O Diretório Central dos Estudantes Honestino Guimarães da Universidade de Brasília vem por meio desta repudiar a ação promovida pelo Democratas contra o sistema de cotas raciais da Universidade de Brasília. Nessa segunda-feira (20/7) o partido, por meio de sua advogada voluntária Roberta Kaufmann, impetrou uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), demandando a suspensão liminar do sistema de cotas raciais da UnB e do resultado do vestibular do 2˚/2009. Essa medida vem de forma antidemocrática querer acabar com uma política pioneira da UnB de democratização do espaço universitário.

A ação movida pelo DEM questiona a UnB por “institucionalizar o racismo” e por dar as bases de um “Estado racializado”. Toda a argumentação desenvolvida pela advogada leva a compreensão de que o problema do racismo não existe no país - seja em função da miscigenação no país, seja pelo argumento biológico de que não existem raças - e que, as políticas de ação afirmativas são problemáticas quando têm o recorte racial. Mais ainda, ela afirma que esse tipo de política cria o racismo. Em toda a ADPF, a advogada tenta mudar o foco da argumentação, colocando que em termos biológicos não existem raças e que, portanto, não pode haver racismo no país. Ademais, ela descreve um país muito diferente do Brasil, em que há uma sociedade plural e plena. Ela se contradiz ao colocar nas considerações iniciais sobre o mérito da questão que ela não quer discutir a existência de racismo, preconceito ou discriminação no Brasil, e afirma pouco depois que no Brasil “ninguém é excluído pelo simples fato de ser negro” (p. 27), ou seja, categoricamente a advogada afirma que não existe racismo no país.

É muito fácil se refugiar em argumentos pautados na genética humana para afirmar que somos todos iguais, que não existem raças, quando na verdade o racismo brasileiro é fenotípico e parte marcante da nossa sociedade. Isso quer dizer que, mesmo velado, o racismo brasileiro se expressa nos estereótipos sociais, nas brincadeiras que muitos fazem e nas ações de poder e segregação.

Diferentemente do que afirma a advogada, o quadro do Brasil é o de uma grande desigualdade racial. É notável a baixa representatividade dos negros em espaços de poder no país, assim como nas universidades. Se poucos são os que têm acesso à educação superior, menos ainda são os negros que chegam à universidade, que mal chegam a ser 2% dessa comunidade. Em 2003 a UnB tomou uma decisão muito importante nesse sentido. O CEPE (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão) aprovou o sistema de cotas, que reserva 20% de suas vagas a estudantes que se declarem negros e afro-descendentes. Essa política vem, acima de tudo, para mudar a realidade das universidades, quebrar o monocromatismo branco e escurecê-las.

quinta-feira, 23 de julho de 2009


Foto: Tina Modotti

Em prol das cotas para a população negra nas universidades

De: Fórum de Mulheres Negras do DF
É muito evidente que, embora haja momentos de confluência, a questão da população negra no Brasil não é unicamente socioeconômica, uma vez que esta mesma população carrega em seus corpos as marcas de uma história e de um presente de desumanização; corpos que são continuamente desqualificados por sua origem cultural e suas características. Os reflexos disto, não apenas ditos por mim, mas pelas estatísticas, é uma enorme ausência de pessoas negras em postos de poder/relevância/mídia/padrões hegemônicos e de elevada presença destas pessoas nos índices de marginalização.
A mobilidade social no Brasil é dificílima, mas pode-se aumentar a renda, também troca-se de roupa, mas nunca de corpo, não basta matemática financeira para resolver algo tão complexo e, ainda que ocorra uma revolução de valores que revejam este fenômeno, são necessárias medidas emergenciais. Trata-se de vidas tolhidas, a lentidão de processos históricos arbitrários não dá conta da urgência destas demandas de humanidade.
Mesmo sanada a questão econômica, o que geralmente não ocorre e torna tudo ainda mais difícil, as marcas da discriminação continuam a prejudicar a trajetória de quem passa por isto, não é uma natureza inferior, mas uma socialização inferiorizante, a questão é sociológica e não biológica, não custa reafirmar. É como se uma/um negr@ tivesse que correr uma maratona com toneladas nas costas, toneladas impostas, as toneladas do racismo, as cotas são uma espécie de corretor desta distorção.
O sistema de cotas é um sucesso e em todo o país tem formado profissionais excelentes e com o adicional da diversidade de origens culturais, isso é fato irrefutável. Ganham @s cotistas, ganham as universidades, ganha-se em conhecimento, toda a sociedade se beneficia.
Ações contrárias são mostras da reação de quem não enxerga o diferente como digno e quer manter a exclusão para assim também manter privilégios.
Tod@s @s cotistas são aprovados no vestibular, não há critérios facilitadores, há apenas concorrência específica: negr@s concorrem com negr@s dentro daquele percentual de vagas, as provas e os critérios são os mesmos. E mesmo assim, além do mérito da prova, pessoas negras, assim como outras pessoas de grupos preteridos, possuem o mérito de uma trajetória de superação. Há menos de 150 anos o Brasil mantinha senzalas e ainda hoje as mantém em seus padrões de exclusão desumanizadora, não há esforço individual capaz de ignorar a força das condicionantes de origem estrutural.
Se as cotas são importadas dos EUA? Absolutamente não, e ainda que fossem, importa-se tudo, moda e teorias científicas, inclusive vícios e dominação, por que agora é errado importar medidas positivas? Não há importação e sim esforço transnacional conjunto e adaptado à realidade de cada país, o Brasil é signatário de acordos internacionais que prevêem estas medidas e que aqui representam força de lei, não há aí inconstitucionalidade, mas sim reparação de uma dívida histórica.
Cotas mudam imagens, possibilidades profissionais, padrões culturais, dinâmica de espaços de poder; criam novas combinações intelectuais através da proximidade de pessoas antes apartadas, podendo inclusive gerar novas idéias e resoluções; afetam toda uma estrutura e não apenas sujeitos individualizados, levam a sociedade a rever suas regras e a experimentar o poder de nelas intervir; não desqualificam outros grupos ou outras questões, antes, abrem espaço para a ampliação da noção de igualdade em todas as formas que esta pode assumir; não excluem outras medidas como a melhoria do ensino no geral, ou distribuição de renda e sim fazem parte deste esforço conjunto para superação das desigualdades de todas as origens.
Nada disto é fácil de ser alcançado, assim como não é fácil dar continuidade ao atual estado das coisas. Para coabitarmos este mundo não há saídas possíveis fora do esforço de transformação.
Brasília, Julho de 2009.
FÓRUM DE MULHERES NEGRAS DO DF - FMN/DF

terça-feira, 21 de julho de 2009

Lançamento de livro: Políticas de Proteção à Infância: um olhar antropológico




"Políticas de Proteção à Infância: um olhar antropológico",
Organização: Claudia Fonseca e Patrice Schuch, editora da UFRGS, 2009.


Resumo:

Esta obra propõe um debate transversal entre instituições de pesquisa e intervenção, entre áreas de conhecimento e entre eixos temáticos. É uma proposta de reflexão associada à hipótese de que, por serem produtos da ação de atores sociais, a lei, o Estado e os enunciados referentes aos "direitos" não são neutros, mas importantes produtores de identidades e subjetividades.


A Guerra no Corpo: entrevista com a antropóloga Rita Segato


Por: Roxana Sandá
Publicado em: Página 12, na sexta feira, 17 de julho de 2009.

En la semana que pasó, el cuerpo de una maestra fue encontrado en un aljibe. Esa fue la represalia por no haberse dejado violar. La escena es horrenda y sin embargo tan común que el relato podría servir para más de un caso. Es que no es un hecho aislado, ni siquiera un crimen común. La antropóloga e investigadora Rita Segato lo tipifica, directamente, como un genocidio que tiene focos pero no fronteras. Porque para ella el género, por definición, es violencia. Una violencia ancestral pero permanentemente aggiornada, fundadora de todas las estructuras de poder.
Ser mujer en Latinoamérica es peligroso. Los femicidios de Ciudad Juárez y Guatemala, los crímenes de mujeres en El Salvador, en Mar del Plata, Río Negro o el conurbano bonaerense y la aparición de cuerpos mutilados de mujeres pobres hablan de nuevas formas de violencia que emiten mensajes en varios sentidos. Hacia las víctimas potenciales, alimentándoles un miedo innombrable, y hacia otros agresores, como si en cada violación o muerte provocadas estimularan las redes de un poder invisible. “Para el género no hay paz”, advierte la antropóloga argentina Rita Segato, profesora del Departamento de Antropología de la Universidad de Brasilia, que investigó las torturas y asesinatos de Ciudad Juárez. Y esa concepción cruenta del sexo sobre los cuerpos de las mujeres aparece bajo formas específicas de represión que atraviesan los genitales femeninos. “Todavía estamos en la prehistoria patriarcal de la humanidad”, dirá Segato.

¿Qué función cumple la violación en los actos de violencia contra la mujer?
–Cuando analicé la situación de Ciudad Juárez me pregunté por qué en estas nuevas formas de guerra es tan importante secuestrar, torturar, demolir, desmontar, deshacer el cuerpo de la mujer mediante la agresión sexual. Pero, cuidado, es un gran equívoco llamarlos crímenes sexuales. Es una agresión por medios sexuales pero no con objetivos sexuales. El deseo sexual es algo totalmente diferente. La respuesta es porque a partir de la agresión sexual a esa mujer, se ataca al otro. Los femicidios en el Congo, por ejemplo, son la destrucción genital de las mujeres. Porque en el imaginario patriarcal, que es hegemónico y en el cual estamos todos enredados, la destrucción del cuerpo de la mujer es la desmoralización no tanto de aquélla sino de los hombres que deberían ser capaces de tenerla bajo su tutela, de protegerla.

Esto habla de una guerra moral?
–De una guerra moral muy fuerte en este mundo de guerras no convencionales. La estrategia de la desmoralización del enemigo es central y la práctica para desmoralizar a ese enemigo es la usurpación y la destrucción sexual del cuerpo de sus mujeres.

¿Hablar de la “destrucción sexual” a través de la violación es literal? ¿Desde qué punto de vista?
–Que la violación signifique la destrucción moral de la mujer es una idea patriarcal que se tragaron los feminismos, que acataron muchos conceptos puritanos y que es un error. La violación no es un crimen sexual, sino un crimen que lastima, mata, deja daños permanentes, que formula la sexualidad de una forma que las mujeres no percibimos. Es la lección patriarcal de la sexualidad. Por supuesto, no es bueno ser violada porque deforma otras posibilidades de la sexualidad, que es secuestrada para el patriarcado. En todo caso, la violación es el suicidio moral del violador, no del violado. Que estés muerta moralmente porque tuvieron acceso sexual a tu cuerpo es una imagen patriarcal que nos inculcan. Para las mujeres esto no es así: la vida sigue.

¿Por qué se refiere a un estado mundial de guerras no convencionales para enmarcar este tipo de violencia?
–Tenemos un escenario de nuevas formas de la guerra que no sólo se da en Latinoamérica. Ya no se trata de dos ejércitos, sino de una guerra difusa y generalizada que asume formas diferentes, como la guerra Estos grupos insurgentes contestatarios, las guerras maras, las mafias, las guerras de la policía contra los pobres y los no blancos, que son las nuevas formas del autoritarismo estatal. Estas situaciones dependen del control de los cuerpos, sobre todo del cuerpo de la mujer, que siempre tuvo una gran afinidad con el territorio. Y cuando el territorio se apropia, se lo marca. Sobre él se colocan marcas de la nueva dominación. Siempre digo que el cuerpo de la mujer fue la primera colonia.

¿Qué ocurría con los cuerpos de las mujeres en los períodos de “guerras convencionales”?
–El vencedor tomaba el espacio físico y el cuerpo de mujer era contiguo y continuo al territorio. Había una transferencia histórica en ese cuerpo de mujer. Hoy, la destrucción por medio de formas de crueldad es práctica rutinaria, y ponerles nombre es central para poder exigir investigaciones pormenorizadas y para crear vocabularios. Es imprescindible su separación de los crímenes comunes. El género es una máquina genocida y los jueces participan del género. Son hombres, nadan confortablemente en la atmósfera hegemónica patriarcal. Y para el género no existen tiempos de paz.

En su investigación sobre los femicidios en Ciudad Juárez, se refiere a esas marcas como “la escritura en el cuerpo de las mujeres”.
–En todo esto el cuerpo de la mujer cae porque es el lugar donde se emite, donde se escribe ese mensaje de “yo puedo más, yo te destruyo moralmente”. Porque esa destrucción del cuerpo femenino es entendida como una subordinación moral de todos aquellos hombres que no participan de ese acto salvaje comunal de la fratría masculina. Es una estructura nueva en este período histórico. En ese sentido, Ciudad Juárez es paradigmática en esta guerra difusa de confrontación, de competición entre mafias que son un paraestado y que pueden tener más poder que las instancias estatales. En definitiva, se trata de un mismo fenómeno: la opresión de las mujeres. Estoy de acuerdo con el discurso feminista cuando sostiene que la violencia contra la mujer tiene que ver con las relaciones de género.

¿Aparecen como formas específicas de represión?
–Y que pasan por los genitales femeninos, por su sexualidad. Aunque también se manifiestan como formas de represión sobre el cuerpo de hombres que son colocados en una posición femenina. Como el caso del policía norteamericano que en 1997, tras detener a un inmigrante haitiano en una calle de Nueva York y llevarlo a la comisaría, le introdujo un palo de escoba en el recto, provocándole graves lesiones. También están los ejemplos de abuso y tortura de prisioneros encarcelados en la prisión de Abu Ghraib, en Irak, como dominación expresada en términos de intrusión sexual en el cuerpo masculino, que es la feminización de ese cuerpo bajo la forma de destrucción moral.

Lo que describe parece la explosión de la ilusión de la modernidad...
–Claro. Infelizmente, la buena definición del Estado como espacio neutro donde todos entran con sus demandas y reivindicaciones no es lo que se observa. El caso específico de las mujeres es considerado un apartado, un capítulo secundario de los grandes temas universales. Falso. Mi libro, Las estructuras elementales de la violencia, no es sobre violencia de género sino sobre cómo el género es violencia y esa violencia es la fundadora de todas las otras formas de violencia. Es la fundadora de un edificio completo, jerárquico de expropiación para construir poder y, por lo tanto, violento.

¿Podría mencionar una escena fundante?
–La relación hombremujer, la primera escena familiar donde emerge el sujeto, es una escena fundadora de lo que llamo la prehistoria patriarcal de la humanidad. Pienso que todavía estamos en la prehistoria, con una concepción cruenta del sexo, hasta poder superar el patriarcado. Con la modernidad, el espacio doméstico se privatizó, fue pulverizado. No existe posición peor para la mujer que la familia nuclear.
En los últimos tiempos, desde diferentes sectores de poder, se hizo visible una política marcada de dominio de los cuerpos de las mujeres.
–El año pasado terminé de escribir el libro Cerrando filas, religión y política hoy, que trata sobre el control de los cuerpos en las religiones. Estamos en una época de paradigmas fundamentalistas en la política. La tendencia fundamentalista del Islam también es fortísima en el cristianismo. Hay una presión para que las políticas se encuadren dentro de un paradigma de elaboración de signos de identificación y que esos signos sirvan para cerrar filas en diferentes sociedades. En el fundamentalismo católico, toda la guerra sobre el aborto, sobre el control de la natalidad no es moral ni doctrinaria, sino política. Ese cuerpo de la mujer debe manifestar que tiene dueño. Es el enlatamiento de las identidades, y tiene que ver con la fuerza de las políticas de la identidad en este momento. Plantar una bandera desde una perspectiva fundamentalista y territorial de la política no tiene una razón moral, sino de dominación fuerte.
En sus trabajos propone tipificar los casos de femicidios de Ciudad Juárez o Guatemala como un nuevo tipo de genocidio.
–La invención del genocidio como lo conocemos hoy, no es simplemente el ingreso de un ejército a un pueblo para pasar a cuchillo a todos sus miembros. Es un exterminio programado y a veces a largo plazo. Si observamos ese exterminio como absolutamente racional –y no soy yo quien lo dice sino Hannah Arendt–, esa posibilidad de planificar el genocidio como una máquina burocrática es moderna y comienza con la conquista de América.

¿Qué herramientas deberían pensarse para instrumentar esa categoría?
–Existen pocas instancias jurídicas en el campo de los derechos humanos que puedan ser utilizadas por cortes importantes. Debe generarse la eficacia simbólica de la Justicia y crear categorías de genocidio. Crear nuevas formas de blindaje, de autodefensa. Nuevas formas de sensibilidad ética que tomen en cuenta las modalidades operativas de destrucción sobre el cuerpo de la mujer, que son diferentes de los llamados crímenes comunes. Hay un gran genocidio de género. En este período particular, los pueblos del mundo deberían exigir que se realicen investigaciones y se juzgue a quienes planifican hacer la guerra en el cuerpo de las mujeres.

Publicado em: Página 12, em 17 de julho de 2009.

sábado, 4 de julho de 2009

Vídeo: "Social Innovation in Global Health: when people come first", palestra com o antropólogo João Biehl

(Foto de Torben Eskerod, durante o trabalho de campo para "Vita, life in a zone of social abandonment", retirado de:http://www.princeton.edu/main/news/archive/S17/06/97S70/?section=featured)
Vídeo de palestra com:

João Biehl (Departamento de Antropologia, Univesidade de Princeton)