quarta-feira, 23 de julho de 2008

Um pouco da entrevista com Deleuze...

CP: Você diz não ser culto. Diz que só lê, só vê filmes ou só olha as coisas para um saber preciso: aquele de que necessita para um trabalho definido, preciso, que está fazendo, mas, ao mesmo tempo, você vai todos os sábados a uma exposição, a um filme do grande campo cultural, tem-se a impressão de que há uma espécie de esforço para a cultura, que você sistematiza e que tem uma prática cultural, ou seja, que você sai, faz um esforço, tende a se cultivar e, entretanto, diz que não é culto. Como explica tal paradoxo? Você não é culto?

Gilles Deleuze: Não, quando lhe digo que não me vejo, realmente, como um intelectual, não me vejo como alguém culto por uma razão simples: é que quando vejo alguém culto, fico assustado, não fico tão admirado, admiro certas coisas, outras, não, mas fico assustado. A gente nota alguém culto. É um saber sobretudo assustador. Vemos isso em muitos intelectuais, eles sabem tudo, bem, não sei, sabem tudo, estão a par de tudo, sabem a história da Itália, da Renascença, sabem geografia do Pólo Norte, sabem... podemos fazer uma lista, eles sabem tudo, podem falar de tudo. É abominável. Quando digo que não sou culto, nem intelectual, quero dizer algo bem fácil, é que não tenho saber de reserva. Pelo menos não tenho esse problema. Com minha morte, não se precisará procurar o que tenho para publicar, nada, pois não tenho reserva alguma. Não tenho nada, provisão alguma, nenhum saber de provisão, e tudo o que aprendo, aprendo para certa tarefa, e, feita a tarefa, esqueço. De modo que, se dez anos depois, sou forçado, isso me alegra, se sou forçado a me colocar em algo vizinho ou no mesmo tema, tenho de recomeçar do zero. Exceto em alguns casos raros, pois Spinoza está em meu coração, não o esqueço, é meu coração, não minha cabeça, senão... Por que não admiro essa cultura assustadora? Pessoas que falam...
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