quarta-feira, 25 de junho de 2008

Entrevista: Maria Luiza Heilborn - caso de pacto para engravidamento nos EUA

Por: Ângela Freitas

Alunas de uma escola pública do Estado de Massachusetts, nos EUA, começaram a recorrer à clínica do colégio para fazer exame de gravidez. Quando o resultado era positivo, comemoravam com gritos e planos de chá de fraldas. Entre as 17 alunas grávidas, com 16 anos ou menos, metade confessou ter combinado ter bebês ao mesmo tempo e criar juntas as crianças. Até ontem à noite nenhuma delas havia concedido entrevista à imprensa. Conversamos com a antropóloga Maria Luiza Heilborn, coordenadora do Clam e uma das coordenadoras de pesquisa Gravad, sobre a qual escrevemos aqui.

Mulheres de Olho – Como você analisa o episódio das garotas norte-americanas que fizeram um suposto pacto de ter filhos e criar juntas? Você faria alguma correlação com a onda conservadora e anti-educação sexual nas escolas, características do governo Bush?
MH – Fica difícil dizer sem conhecer a realidade local. Gloucester é uma pequena cidade de 30 mil habitantes em Massachussets, que não é um estado terrivelmente conservador como os do meio-Oeste dos estados Unidos. Este dado é importante. Pelas reportagens a que tive acesso (Zero Hora e TV Globo), vi que a escola dispõe de um serviço de saúde ao qual as meninas recorrem para saber se estão grávidas. Portanto, se a escola provê o teste de gravidez é porque admite intrinsecamente que existe sexualidade pré-marital nessa faixa etária. Se comparado com a realidade brasileira, isto é bastante interessante. O que chamou a atenção do diretor da escola foi uma taxa muito elevada em comparação com o que acontece normalmente na escola: 17 engravidaram no mesmo período, sendo que oito delas declararam especificamente que fizeram isso por causa de um pacto entre amigas, como um experimento de vida. Isto chama atenção também em relação à população da escola, que é de 1.200 alunos. O diretor disse em seu depoimento ao jornal, que se surpreendeu porque percebeu meninas aborrecidas porque tentaram engravidar e não conseguiram. Há um elemento que as pessoas freqüentemente tendem a ignorar: a gravidez na adolescência não é uma questão de falta de acesso a informação de jeito algum. As meninas têm a informação e tomam a decisão de ter filhos, e nesse caso parece ter sido uma decisão coletiva.

Mulheres de Olho – Seria uma forma de rebeldia, de protesto?
MH – Parece mais uma demonstração de vontade. Ao decidir coletivamente, há um elemento de afirmação de posição. Pode significar um enfrentamento em relação ao discurso de retardamento da reprodução. Pode ser uma declaração de autonomia dessas meninas, em geral frente aos pais, do tipo: - “Eu tenho relações sexuais e eu posso engravidar!” à revelia de todo um discurso societário de que não se deve ter filhos nessa faixa etária e, sobretudo, sendo solteiras. Os rapazes de quem elas engravidaram em geral estão na faixa de 20 anos e em um dos casos é um rapaz sem-teto, o que gerou muita polêmica. Suponho que a polêmica é porque no imaginário dessas pessoas é complicado admitir que as meninas sequer quisessem se casar, e que resolveram fazer um experimento de reprodução, em esquema de produção independente.

Mulheres de Olho – Uma produção independente coletiva, onde uma reforça a outra?
MH – As meninas não foram entrevistadas. Na matéria da televisão só se vê algumas meninas entrando na escola, mas ninguém é entrevistado e se vê, sem a fala, o diretor da escola. Pelo que aparece, vejo como uma espécie de revolta contra um discurso que na verdade não é indulgente com a idéia de reprodução nessa faixa etária. Imagino que isso tenha a ver com o clima conservador nos Estados Unidos que, em geral, tem um discurso de que as meninas querem engravidar para se encostar no Social Service. Aparentemente, as meninas mostradas nas matérias de televisão –não necessariamente eram as grávidas- não são negras, são brancas. E trata-se de uma comunidade de indústria pesqueira com certa pobreza, num contexto em que os Estados Unidos vive uma crise relevante. Uma adolescente de 18 anos que foi mãe aos 16 disse em entrevista que essas meninas estão equivocadas porque não vão ter nenhuma satisfação em ter uma criança chorando querendo ser amamentada. Este é quase que um discurso de arrependimento em relação a ter ficado grávida e achando que as meninas estão iludidas, tipo “entraram numa furada!”.

Mulheres de Olho - Mas ela está prevendo o que acontecerá no futuro com essas meninas, e não o fato de agora.
MH – Esse é um elemento importante. Na cultura adolescente está presente a incapacidade de prever o futuro. Os atos são inconseqüentes não porque sejam irresponsáveis, mas porque, na verdade, a própria capacidade de projetar o futuro é limitada em função da experiência de vida acumulada, que é pequena. Quando a gente é adolescente, em primeiro lugar acha que nunca vai chegar aos 30. E depois, há dificuldade de projetar a vida como adulto. Você sempre imagina que não será como os adultos. É uma característica não medir as conseqüências dos atos. Obviamente, em situações onde há muito controle familiar, por exemplo, adolescentes não ouvem nada por conta das formas de coerção, de controle que os pais podem ter. A argumentação de que as famílias estão desestruturadas aparece na matéria jornalística, e isto chama atenção para um ato de rebeldia encenado coletivamente.

Mulheres de Olho – Há aí uma versão contemporânea de velhas formas de fazer pactos, como combinar de beijar pela primeira vez, de fazer alguma marca no corpo, de ter a primeira transa, sendo que dessa vez o pacto foi para engravidar. Você concorda que o filme Juno, que conta a história de uma adolescente grávida que dá a criança em adoção, tenha alguma influência sobre esse episódio?
MH - Do ponto de vista dos adultos parece completamente absurdo um pacto para engravidar. Aposta-se que o filme Juno tenha dado certa romantização à experiência da gravidez e esta foi uma explicação acionada lá no contexto. Não sei qual foi o impacto do filme nos Estados Unidos, mas pessoalmente não gosto do filme. Primeiro pela cena do aborto. A personagem tenta interromper a gravidez e é tratada de maneira muito dura. Há quase uma mensagem conservadora: – “Não tente aborto!” A acolhida dela na clínica é muito ruim e então ela desiste, e resolve segurar a barriga e dar a criança para adoção. Não me encantei com o filme e não o aconselharia para exibição para adolescentes com tanto entusiasmo, por essa visão um pouco romântica, dessa rebeldia juvenil associada a gravidez de menina e doação de filho em adoção. Acho que para o caso norte-americano seria necessária uma avaliação para saber o impacto que o filme teve, se houve debates sobre o filme.

Mulheres de Olho – O que este episódio ensina para o caso brasileiro, em que há uma onda de acreditar que a gravidez na adolescência acontece cada vez em maior número?
MH – Existe essa impressão de que o fenômeno é muito grande. Elza Berquó escreveu um artigo com Suzana Cavenaghi, mostrando que a partir do início da década de 2000, já houve do ponto de vista estatístico, para São Paulo, uma reversão da tendência de aumento da gravidez na adolescência. Não se sabe muito bem explicar porque isso acontece. Por exemplo, da população entrevistada na pesquisa Gravad, realizada em 2002, detectamos que 30% das mulheres tinham ficado grávidas na adolescência. Conversei com pessoas da faixa etária de 20 a 24 anos e, de fato, percebemos uma idealização da maternidade na adolescência, tanto por parte das meninas quanto dos rapazes, por razões diferentes. Não é só um barato das meninas. No caso delas, trata-se de entrar na onda de ter um filho, mas no caso dos rapazes é porque acham que a gravidez é a prova mais cabal de que são homens, são viris. Uma menina grávida deles é um atestado de que são sexualmente ativos. Mas a idéia da gravidez nesse período, que se chama de precoce em função do que a gente espera que o jovens façam –estudar e se preparar para entrar no mercado de trabalho– está muito associada à falta de horizontes de vida alternativos, dados pela escolarização e pelo mercado de trabalho. O filho aparece aí como o sonho de uma experiência amorosa, é isso que essas meninas dos Estados Unidos estão dizendo. Ter alguém que vai amá-las, estabelecer um vínculo, é uma alternativa. Essa é única ilação que faço. Aparentemente a cidade de Gloucester tem problemas econômicos e de reprodução social neste momento. E em determinados momentos de falta de horizontes, falta de vias alternativas para constituir sua vida, realmente a idéia de uma gravidez, de uma maternidade ou paternidade, pode parecer encantadora para as meninas, como preenchimento de um projeto de vida. A maior parte das meninas que entrevistamos na pesquisa Gravad e que tinham tido filhos na adolescência, estava no contexto de um namoro. Raras foram as produções independentes, o que parece ser o caso dessas meninas nos Estados Unidos. Na pesquisa Gravad as meninas têm um contexto de namoro: o roteiro padrão é começar transando com camisinha, mas depois que se conhece o parceiro, acredita-se que a gravidez não vai acontecer. O uso da camisinha é só para proteção contra doenças sexualmente transmissíveis. Não é incorporado como uma coisa relativa à gravidez. E aí se acaba engravidando. Não há hoje a mesma paranóia de não engravidar como havia na década de 1970, 1980. Aparentemente elas estão descuidadas da regularidade, do cuidado permanente que obriga a relação heterossexual.
Por Angela Freitas/ Instituto Patrícia Galvão

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