terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Titulação de Quilombos

Em dois anos e meio, foram concedidos apenas dois títulos de terra. Governo federal diz que reformulou a legislação e precisou criar novas estruturas administrativas. Movimento quilombola cobra mais agilidade. São dois anos e sete meses. Mais precisamente: 941 dias de governo Lula. E apenas dois territórios quilombolas receberam seus títulos de terra. Em 16 anos, desde a Constituição de 1988, o Estado brasileiro expediu cerca de 70 títulos semelhantes. Neste ritmo, seriam necessários aproximadamente 33 anos para finalizar os 144 processos de titulação hoje em tramitação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Sem contar outros em curso em órgãos fundiários estaduais. Não é possível fazer um cálculo exato sobre o tempo que seria preciso, no compasso observado até agora, para regularizar os territórios quilombolas restantes, em todo o País, porque os dados disponíveis sobre o assunto são imprecisos. Mesmo assim, não custa lembrar que, segundo levantamento feito, neste ano, pelo Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica (Ciga) da Universidade de Brasília (UnB), existiriam hoje, no Brasil, 2.228 comunidades quilombolas, totalizando uma população de mais de 2,5 milhões de pessoas.
Em relação à administração Lula, as explicações para tanta morosidade apontam para o que já parece ser um de seus traços característicos: uma enorme dificuldade em vencer obstáculos político-administrativos diante de uma conjuntura marcada pela predominância de forças conservadoras dentro e fora do governo. Em todo caso, do ponto de vista da sociedade civil, duas titulações em dois anos e meio de mandato soam como um resultado irrisório para quem prometia retomar o resgate da dívida social e cujo partido (PT) abriga grande parte da militância negra. Organizações quilombolas e especialistas consideram que falta determinação ao governo para atacar o preconceito racial, enfrentar o poder dos ruralistas e acelerar os processos de regularização fundiária. A administração federal não teria sido capaz nem mesmo de colocar em prática uma política pública unificada de teor étnico e de realizar um censo populacional. Por outro lado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e o Incra - que passaram a ser os responsáveis pelas titulações no governo Lula - argumentam que foi preciso reformular a legislação sobre o tema, idealizar e implantar toda uma estrutura operacional que não existia para reconhecer as terras quilombolas. Além disso, o processo seria tão complicado e lento quanto a criação de Terras Indígenas e muitos processos estariam sendo refeitos.
"Para os quilombolas, assim como para outras populações tradicionais, o direito às suas terras é o mais fundamental de todos. Sem ele não há moradia, saúde, segurança alimentar ou preservação da cultura", lembra Raul Silva Telles do Valle, advogado do ISA. Ele considera que qualquer política voltada aos remanescentes de quilombos deveria centrar-se nesse aspecto sob pena de não alcançar seus objetivos. Governo diz que trabalha, mas não gastaUm dos dados que mais chama a atenção em relação às ações do governo Lula para o setor é o baixíssimo índice de execução orçamentária, especialmente no que diz respeito às titulações. Segundo o boletim Orçamento & Política Socioambiental, de junho, publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), dos R$ 11,6 milhões previstos no orçamento do MDA de 2004 para o pagamento de indenizações aos ocupantes de boa-fé de terras qumlombolas, nenhum centavo foi pago. Este ano, também não se gastou nada do orçamento de R$ 14,4 milhões para o mesmo fim. Dos R$ 2,3 milhões previstos, em 2004, na rubrica "Reconhecimento, Demarcação e Titulação", foram usados R$ 1,4 milhão, pouco mais de 62%. Para este ano, estavam destinados R$ 5,4 milhões para a mesma rubrica e, até o momento, foram gastos cerca de R$ 432 mil, em torno de 8% do total.Em relação ao total de recursos disponibilizados pelo governo federal para os quilombolas, no ano passado, foram usados apenas 50% dos R$ 51 milhões que deveriam ser gastos por seis ministérios, pela Presidência da República e pela Secretaria Especial de Promoção de Políticas para a Igualdade Racial (Seppir) no âmbito de programas como o Brasil Quilombola, Cultura Afro-brasileira e Comunidades Tradicionais. Dos R$ 60,1 milhões previstos para este ano, apenas R$ 7,5 milhões, 12,5% do total, foram utilizados até este mês. "A execução orçamentária não reflete o trabalho que temos realizado", defende Mozar Artur Dietrich, assessor especial do MDA para a questão quilombola. Ele explica que o governo ainda não chegou à fase de usar o dinheiro das indenizações e avisa que, pelo mesmo motivo, o gasto da rubrica pode continuar na estaca zero este ano. Dietrich insiste no argumento de que o governo Lula levou mais de um ano para refazer a legislação sobre o assunto e transferir para o Incra a responsabilidade pela titulação. "Estamos implantando todo um procedimento legal e administrativo inédito. Vamos contratar novos funcionários. Já temos 144 processos em andamento relativos a 278 comunidades. Quem disser que isso é menos do que foi feito no governo Fernando Henrique não conhece os procedimentos da área".
A gestão FHC concedeu 14 títulos aos quilombolas, mas todos estariam em áreas públicas, onde não existiriam conflitos fundiários. O assessor do MDA explica que, em virtude da complexidade das titulações quilombolas, não é possível estabelecer uma meta de terras regularizadas para o final do governo Lula. "Tenho me recusado a estabelecer uma meta. Estamos falando de um processo semelhante àquele das Terras Indígenas. É impossível a Funai [Fundação Nacional do Índio] dizer que vai homologar uma área em um certo tempo porque ocorrem ações judiciais contrárias, conflitos locais, ocupações do movimento social etc", explica Dietrich. Ele não considera que as duas titulações realizadas até agora na administração petista sejam um número baixo. Agronegócio e racismo pressionam terras.
O antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, especialista na questão quilombola há vários anos e responsável pela análise publicada pelo Inesc, admite que o processo de titulação dos quilombos é bastante burocratizado e defende trâmites mais ágeis. Ele julga, no entanto, que outros fatores externos também contribuem para a inércia do Estado em reconhecer as terras quilombolas. "Além dos obstáculos burocráticos, temos os interesses do agronegócio e o racismo da sociedade brasileira". Almeida deverá divulgar em breve um levantamento a respeito do avanço da agropecuária e de outras atividades, como a mineração e a indústria do papel, sobre territórios tradicionais em várias regiões do País, incluindo Terras Indígenas, quilombos e outras áreas de uso coletivo, como os chamados "fundos de pasto" e as "terras soltas"."A força destas ocupações centenárias está erodindo diante do agronegócio. A elevação geral do preço das commodities e a ação da indústria madeireira estão levando a uma ocupação e a uma valorização muito rápida das terras em todo o Brasil". O antropólogo avalia que o fenômeno tem feito aumentar as pressões pelo não reconhecimento dos territórios tradicionais, em especial no norte do Tocantins, no sul do Maranhão, no oeste da Bahia e de Pernambuco. As commodities são produtos primários - como a soja, o café, a carne e o minério de ferro, por exemplo - cujos preços e o comércio em geral são determinados pelo mercado internacional. A opinião do pesquisador está apoiada em estatísticas conhecidas. Segundo informações da empresa de consultoria FNP, especializada em estudos sobre angronegócios, nos últimos 36 meses (até junho de 2005), o preço médio das terras no País registrou taxa de crescimento de 63%, muito acima da inflação acumulada de 49% no mesmo período (IGP-DI). No Centro-Oeste, houve um pico de valorização de 122%, no acumulado dos últimos 12 meses. "Existem forças conservadoras que se movimentam o tempo todo para criar obstáculos ao reconhecimento dos direitos dos quilombolas", continua Almeida. Ele cita a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo PFL, em julho de 2004, contra o Decreto nº 4.887/03, que atualmente regulamenta a titulação dos quilombos, como um exemplo da força do racismo na sociedade brasileira e de uma conseqüente negação da propriedade aos negros. "Isso se reflete também nas pessoas que estão no aparato do Estado. Não existe uma predisposição para fazer, mas uma inclinação para colocar problemas e dificultar a vida de quem quer fazer". Neste ponto, o antropólogo refere-se especialmente às dificuldades impostas à ação dos funcionários do Incra na ponta do sistema, ou seja, nas menores cidades do interior e nos confins do País, onde o poder dos fazendeiros é maior. Vários setores do movimento quilombola crêem na boa vontade da cúpula do governo, em especial do presidente Lula e de alguns ministros, como Miguel Rosseto (MDA) e a chefe da Seppir, ministra Matilde Ribeiro. Os mesmos segmentos concordam, porém, que falta determinação para enfrentar os entraves burocráticos e as pressões dos grupos conservadores. "Ganhamos o governo, mas não ganhamos o poder.
Falta interesse político não só do presidente, mas de todas as instâncias", resume Ivo Fonseca Silva, integrante da Coordenação Nacional de Quilombos (Conaq) e da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão (Aconeruq). Ele também não aceita a opinião, defendida pelos técnicos do MDA, de que as dificuldades administrativas e legais seriam o principal obstáculo para a regularização dos quilombos. Silva garante que existem hoje, no País, mais de cem territórios cujos processos já estão finalizados e só aguardam a autorização do governo para receber a titulação. "Hoje, a questão quilombola é prioritária no Incra, mas não é mais importante 99% da demanda é para os sem-terra. Não estou dizendo que os quilombolas devam acampar. Mas os sem-terra acampam até no Palácio do Planalto", admite Cláudio Rodrigues Braga, responsável pela Coordenação-geral de Regularização Fundiária de Áreas Remanescentes de Quilombos, que já funciona na prática, mas ainda aguarda, desde o início de 2004, a assinatura de um decreto para passar a existir formalmente na estrutura do Incra. Braga também bate na tecla da complexidade do processo de regularização fundiária dos quilombos para sugerir que a lentidão observada até agora é normal (saiba como é a titulação)."Tinha-se a idéia de que a regularização dos quilombolas seria rápida. A Seppir, o Ministério Público e o movimento quilombola diziam isso. Ainda se diz que o ministro Rosseto não tem vontade política. Não concordo. Parte da responsabilidade também é da sociedade civil, que não se mobilizou durante muito tempo após a Constituição de 1988 e não cobrou do governo anterior", rebate Mozar Artur Dietrich. Segundo o assessor, mais de 90% dos territórios quilombolas do País estão localizados em áreas que já têm pretensos proprietários, ou seja, que provavelmente irão demandar batalhas judiciais demoradas. Ele volta a frisar que, como o Incra nunca participou do processo de titulação, foi preciso praticamente recomeçar do zero. Demora em colocar a máquina em ação.
De fato, o governo Lula levou quase um ano para substituir o Decreto nº 3.912/01, que regulamentava até então o processo de titulação, mas era recheado de equívocos. Na verdade, impunha condições que, na prática, inviabilizava a regularização das terras quilombolas. A norma nem mesmo previa indenizações para os posseiros de boa-fé. Em 20 de novembro de 2003, Dia Nacional da Consciência Negra, o presidente Luís Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 4.887, com novas regras para o setor (confira). Grande parte do movimento quilombola considera que o Decreto nº 4.887 é um avanço e foi elaborado de forma democrática: a Seppir realizou uma série de consultas e debates com vários setores da sociedade civil organizada para discutir o tema. Por outro lado, ao deslocar a atribuição de regularizar as terras da Fundação Cultural Palmares (FCP), órgão subordinado ao Ministério da Cultura, para o Incra, provocou um novo problema administrativo e condicionou sua solução ao ritmo da burocracia de Brasília. Em abril de 2004, foi elaborada a Instrução Normativa interna que regulamentava os novos procedimentos. Só em agosto daquele ano, ocorreu o primeiro curso para os funcionários das Superintendências Regionais do Incra sobre o tema quilombola. "Hoje, se saio de São Luís e vou a Brasília, eu entro em todos os gabinetes, em todos os ministérios. Existe mais transparência. As portas estão abertas para nós. O problema é na hora de operacionalizar", aponta Ivo Fonseca Silva. Ele admite que o problema não será resolvido rapidamente, mas diz que a sociedade esperava mais agilidade no trato da questão. "Todos os governos têm dificuldade para resolver o problema fundiário. A reforma agrária que estamos cobrando vai ser lenta, mas é preciso que o governo tenha mais coragem e diga `temos de fazer'".
Os técnicos do MDA e do Incra afirmam que os processos devem se tornar mais ágeis a partir de agora, depois da consolidação da legislação e da nova estrutura burocrática. Pelo menos para 2005, a intenção seria regularizar a situação de dez comunidades (em áreas públicas) e reconhecer mais 20. Outra promessa é de contratar por concurso público, até o final do ano, 136 funcionários, entre antropólogos, agrônomos, agrimensores e técnicos para a Coordenação-geral de Áreas Quilombolas do Incra, que tem, hoje, seis funcionários em Brasília. Já teriam sido qualificados outros 110 em todo o País.
Na publicação do Inesc, o antropólogo Alfredo Wagner de Ameida aponta uma tendência que não permite fazer previsões muito otimistas. O Estado estaria abrindo mão de uma política étnica integrada e coordenada em benefício de ações fragmentadas, distribuídas por vários órgãos diferentes. Ao mesmo tempo, o foco das políticas públicas voltadas aos quilombolas estaria sendo deslocado do atendimento ao direito à terra para iniciativas de caráter assistencial e, ainda de forma incipiente, a prestação de serviços básicos, como eletrificação e saneamento. Pelo menos no curto e médio prazo, portanto, o problema fundamental de se enfrentar as pressões sobre as terras quilombolas estaria sendo postergado. Enquanto o Decreto nº 4.887 é considerado um avanço na formulação de respostas à questão quilombola, muitas comunidades continuam sofrendo com os mesmos problemas de várias décadas atrás. Além da violência dos fazendeiros e da discriminação racial, os remanescentes de quilombos carecem de escolas, de tratamento médico, de transporte e de apoio para sua produção agropecuária. "Nas comunidades mais isoladas, muitas vezes, temos de carregar pessoas doentes por mais de 30 quilômetros no lombo da `liteira' [uma rede pendurada em um tronco de bambu e apoiada por dois homens]", explica Manuel Edeltrudes Moreira, o Tico, secretário de Promoção da Igualdade Racial de Monte Alegre, cidade do norte de Goiás, a cerca de 300 quilômetros de Brasília. Tico pertence á comunidade Kalunga, cujo território de 270 mil hectares estende-se pelos municípios de Monte Alegre, Cavalcante e Teresina de Goiás. Os Kalunga esperam na fila das titulações há vários anos e já chegaram até a receber a visita do presidente Lula, em março de 2004. Apesar das promessas, o Incra ainda não terminou de fazer todos os levantamentos necessários à finalização do processo de regularização. A construção de novas escolas está atrasada e não há nenhum tipo de atendimento de saúde especial para os mais de 5 mil quilombolas que vivem na região. "Infelizmente, até o momento, o Decreto nº 4.887 ainda não foi colocado em prática. Não serviu para nada", critica Raul Silva Telles do Valle. Ele lembra que várias organizações da sociedade civil, entre elas o ISA, estão defendendo o instrumento legal no julgamento da Adin no STF, mas que todo este esforço pode ser em vão se houver uma nova alteração na legislação, com uma eventual mudança de governo, depois de 2006. "Este risco existe. Por isso toda essa demora pode significar a perda de uma chance histórica de regularizar boa parte das terras quilombolas".Governador libera R$ 978 mil para regularização de quilombos em SPO governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), liberou R$ 978 mil para o processo de regularização fundiária das 48 áreas quilombolas existentes no Estado. Alckmin disse que pretende georreferenciar 24 áreas, reconhecer 25 e titular outras seis, até o fim do ano apenas cinco já receberam seus títulos de terra. O Instituto de Terras de São Paulo está realizando a regularização de territórios quilombolas no Estado.O anúncio foi feito no último dia 24 de julho, em uma visita feita ao quilombo de Caçandoca, em Ubatuba, no norte do litoral paulista. Em maio, as 60 famílias de quilombolas que vivem em Caçandoca sofreram com a ameaça de despejo provocada por uma liminar de reintegração de posse concedida à empresa imobiliária Urbanizadora Continental. No início de junho, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu a decisão judicial, acatando pedido do governo estadual (confira).
Quilombo de Ivaporunduva no Vale do Ribeira (SP): terras tituladas em 2000
Quilombolas da comunidade de São Pedro no Vale do Ribeira (SP): terras tituladas em 2001 Quilombo André Lopes no Vale do Ribeira (SP): terras reconhecidas mas não tituladas

Por: http://www.socioambiental.org

Constitucionalidade da Interrupção da Gravidez em Casos de Anencefalia

Prezad@s colegas,
No primeiro semestre de 2010, esperamos que seja proferida a decisão do Supremo Tribunal Federal em relação à constitucionalidade da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia. Peço a tod@os para assinarem e divulgarem em suas listas de e-mail e redes sociais, como Orkut, Facebook e blogs, a petição preparada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e demais parceiros.
A petição visa oferecer informações embasadas em estudos científicos e tecnológicos sobre os riscos que tais gestações apresentam para a saúde das mulheres, dirigida ao Supremo Tribunal Federal, a fim de que a ADPF nº 54 seja julgada procedente com base nesses argumentos.Segue o link para a assinatura: http://www.PetitionOnline.com/adpf54/

Abraço fraterno a todas e todos,
Fabiane Simioni

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Comentário: O Machista Bial em noite de "estupro cultural"

29/01/2010
Por: Ricardo Leal


Do alto do seu “altruísmo machista” o experiente Pedro Bial desrespeitou, em rede nacional, a essência da mulher brasileira.Sua insistência em provocar a sister extrapolou todas as noções de respeito e nacionalismo: foi um“estupro cultural”.
Pedro Bial transformou-se na Cara do “Big Brother Brasil”.É difícil imaginar o programa sem as suas intervenções, participações, enfim, sem o seu comando sobre a galera confinada.Muitas vezes transforma-se em “guru de frases feitas”, principalmente quando está prestes a anunciar a eliminação de algum participante.
Ainda sem muita intimidade com a maioria dos participantes do BBB 10, Bial parece estar na fase de “afirmação” perante os mesmos e , para, quem sabe, encurtar essa fase, indaga insistentemente os brothers e sisters sobre assuntos ligados a opção sexual de cada um .
Como resultado de tal atitude do apresentador do programa ,os espectadores desse BBB 10 estão tendo, corriqueiramente, lições de “comportamento socialmente correto” de gays, lésbicas , drags e outros afins.Diversas vezes Bial, por exemplo, protestou sobre a exclusão da letra “s” da sigla “gls” de gays, lésbicas e simpatizantes.Ele, que se auto definiu como notório simpatizante, revelou-se inconformado sobre tal mudança.
Sem querer bancar o machista, mas sempre bancando, Bial também não perde oportunidade de, as vezes, deixar um ou outro brother constrangido com piadinhas ligadas a esse tipo de assunto.
Na noite da última quinta feira(28)Pedro Bial extrapolou todos os níveis dos limites tênues que existem entre excesso de machismo e grosseria com a sister Lia, ao comentar uma atitude dela durante a apresentação do rapper Akon na casa.A sister dançava e rebolava quando, inesperadamente, foi agarrada, por trás, pelo cantor que “chegou junto”.Por mais de uma vez Lia rechaçou o “pegador” e demonstrou com gestos que não estava gostando da brincadeira.
Ao comentar o fato ,o “machista” Bial já começou insinuando que a sister propositadamente provocou o artista.Lia argumentou que sempre dançava assim e tal situação nunca tinha acontecido.Não satisfeito com tal justificativa Bial resolveu navegar na “maionese”.Arrotou para os brothers sua hilária teoria de choque cultural que consistia “numa bunda em trabalho rebolativo” quicando na frente de um “raper pegador”.Não podia, segundo Bial, acontecer outra coisa diferente do que aconteceu, até porque, insistiu, a cultura americana é “puritana”.
Segundo Bial o negão ficou doido e sua atitude foi plenamente justificável.Lia rebateu-“Ninguém nunca fez isso comigo” e o machista apresentador não satisfeito finalizou-“Você que não está lembrando”.
O choque em questão não foi cultural. Do alto do seu “altruísmo machista” o experiente Pedro Bial desrespeitou, em rede nacional, a essência da mulher brasileira.Sua insistência em provocar a sister extrapolou todas as noções de respeito e nacionalismo: foi um“estupro cultural”.

Ricardo Leal
etcetal@tudoglobal.com.br

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Evento: ÉTICA E REGULAMENTAÇÃO EM PESQUISA ANTROPOLÓGICA


Dias 12 e 13/Novembro de 20009


Local: Auditório do Departamento de Sociologia/UnB


Promoção: Departamento de Antropologia da UnB e Instituto de Ciência Sociais da UnB

Inscrições: 04 a 11/Novembro, no Departamento de Antropologia da UnB (o evento vale 12h de atividade de extensão para os inscritos)



PROGRAMAÇÃO

12/11/2009
Auditório da Sociologia, UnB


14:00 – 18:00
MESA 1 – PANORAMA DA DISCUSSÃO SOBRE ÉTICA EM PESQUISA NA ANTROPOLOGIA

· Luís Roberto Cardoso de Oliveira – Professor Titular e Chefe do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Ex-presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
· Claudia Fonseca – Professora Titular do Departamento de Antropologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
· Ciméa Barbato Bevilaqua– Professora Adjunta do Departamento de Antropologia, Universidade Federal do Paraná
· Debatedora: Patrice Schuch – Antropóloga, Professora Adjunta do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília

13/11/2009
Auditório da Sociologia, UnB


8:30 – 12:00

MESA 2 – EXPERIÊNCIAS CONCRETAS COM A REGULAMENTAÇÃO EXTERNA À PESQUISA EM ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA

· Dora Porto – Antropóloga, Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília, é assessora da Presidência do Conselho Federal de Medicina, desempenhando a função de editora executiva da Revista Bioética.
· Fernanda Bittencourt – Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília, Assessora Técnica da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República
· Raquel Lima de Oliveira e Silva – Mestranda em Sociologia pela Universidade de Brasília
· Luciane Ouriques Ferreira – Doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal de Santa Catarina, consultora da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA)
· Debatedora: Soraya Fleischer – Antropóloga, Professora Adjunta do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília

14:00 – 18:00
MESA 3 – A PERSPECTIVA DOS ÓRGÃOS REGULAMENTADORES

· Maria Rita C. Garbi Novaes – Coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde do Governo do Distrito Federal
· Débora Diniz – Antropóloga, Professora Adjunta do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília e Presidente do Comitê de Ética do Instituto de Humanas, UnB
· Representante do Ministério Público da União (A confirmar)
· Debatedora: Ximena Pamela C.D.Bermúdez – Antropóloga, Professora Adjunta do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília e da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)


















segunda-feira, 14 de setembro de 2009

domingo, 13 de setembro de 2009

Lançamento de Livro: "Práticas de Justiça: antropologia dos modos de governo da infância e juventude no contexto pós-ECA"

Autora: Patrice Schuch, livro da série "Práticas de Justiça e Diversidade Cultural", do NACI/UFRGS
"Nesta obra a autora insufla vida em temas que tantas vezes padecem de excessiva abstração: direitos humanos, juventude, segurança, modos de governo. Percorrendo os diferentes espaços da trajetória de jovens em conflito com a lei, das delegacias, centros para dependentes químicos e "escolas de família" até a "cultura da paz", essa pesquisa, ao mesmo tempo crítica e colaboradora, traz elementos fundamentais para leitores das mais diversas áreas" (Claudia Fonseca, professora do PPGAS/UFRGS).
"O trabalho de Patrice Schuch organiza-se a partir de uma perspectiva inquietante e produtiva: a busca de múltiplas frentes de construção de um mesmo "problema" de forma a deslocar e recolocar continuamente perguntas àquilo que poderia ser traduzido de modo mais apressado como um processo social unidirecionado de "modernidade" ou de emergência de "direitos". Seja percorrendo a trajetória sócio-histórica de construção da infância como objeto de intervenção governamental - em sentido amplo - seja tomando o surgimento da "nova" legislação encarnada no ECA como matéria contínua de disputas simbólicas e de reconfiguração de práticas, ou ainda observando meticulosamente situações institucionais envolvendo crianças e seus familiares, a autora leva-nos por um caminho inquietante, no qual o privilégio às práticas, interações e contextos apresenta-se como o recurso principal para a compreensão dos modos contemporâneos de gestão de indivíduos e relações. O cuidado com que desvenda mapas complexos envolvendo atores sociais variados e seus dispositivos de atuação contribui significativamente para refletirmos sobre o lugar de antropólogos e demais cientistas sociais cmo participantes de debates contemporâneos, permitindo que nos vejamos ao mesmo tempo como imersos em campos densos de produção de significados (e não acima de tais campos), mas que não percamos de vista a tarefa crítica que nos cabe" (Adriana Vianna, professora do PPGAS/MS/UFRGS)
POA, Editora da UFRGS, 2009
R$ 25,00

Programação do Semestre 2009/2, Grupo de Estudos e Pesquisas: "Etnografia, Prática de Justiça e Diversidade Cultural", UnB

Tema 2009/2: Política, Justiça e Processos de Transformação Social

- 03/09/2009: Reunião para programação das atividades do semestre.

- 18/09: Os sentidos da participação:
Textos de subsídio:
DAMO, Arlei. “A Peça Orçamentária”. In: FONSECA, Claudia e BRITES, Jurema. Os Sentidos da Participação. Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2007 (Xerox).
DAMO, Arlei. “Cultura e Agência: o engajamento no OP”. In: Revista Campos. Curitiba, 2008. (disponível on line).

-02/10: textos a serem sugeridos pelos bolsistas de iniciação científica através de suas pesquisas bibliográficas.
Sugestão de Patrice:
NADER, Laura. Harmonia Coercitiva. A Economia Política dos Modelos Jurídicos”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. 1994 (Xerox).

- 16/10: A “suspeição” como objeto de pesquisa antropológica
Discussão da estrutura da dissertação de mestrado de Gleides Formiga e de um capítulo já escrito, sobre a produção de “suspeitos”. Textos a serem enviados pela autora.

- 30/10: A perspectiva da dádiva na análise da “justiça”
Textos de subsídio:
Trabalho final de Alexandre, feito para a disciplina “Antropologia da Dádiva”.
BEVILÁQUA, Ciméa. O Consumidor e Seus Direitos. Um Estudo sobre Conflitos no Mercado de Consumo”. SP, Humanitas, 2008 (partes selecionadas).

- 13/11: Ética e Pesquisa em Antropologia: seminário proposto pelo GEP


- 27/11: Práticas de Justiça e a Reconfiguração de Subjetividades e Sensibilidades Sociais
Textos de subsídio:
SCHUCH, Patrice. “Justiça, Cultura e Subjetividade: tecnologias jurídicas e a formação de novas sensibilidades sociais no Brasil”. Texto apresentado na LASA 2009.
SCHUCH, Patrice. “Práticas de Justiça: antropologia dos modos de governo da infância e juventude no contexto pós-ECA”. POA, Editora da UFRGS, 2009 (partes selecionadas).

- 11/12: Seminário com apresentação de trabalhos dos bolsistas de iniciação científica e fim das atividades do semestre.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Divers: petites histoires I


Foto: Michel Ducruet

Ensaio: Antropologia e Direitos Humanos

Kílvia Bernardes Cunha (estudante de Ciências Sociais da UnB)

Da articulação entre a Antropologia e os direitos humanos, estes tão evocados e, ao mesmo tempo, questionados contemporaneamente, este ensaio dirige sua atenção para a questão de como a disciplina antropológica e como a categoria dos direitos humanos são repensadas e ressignificadas quando se estabelece um diálogo entre as mesmas. Quanto à Antropologia, primeiramente, veremos como a adoção dos direitos humanos em sua pauta de suas discussões e pesquisas abriu portas para o questionamento de suas bases teóricas (conceituais) e metodológicas. Quando abordados por uma perspectiva antropológica, por outro lado, os direitos humanos são contextualizados e desmistificados.
Tais evidências refletem, ainda, sobre o papel do antropólogo quando este se vê diante de situações por ele não vislumbradas antes durante o momento de pesquisa que o impele a fazer novas indagações sobre o seu fazer antropológico e também de ordem epistemológica. Novas questões surgem diante do debate dos direitos humanos pelos antropólogos e novas configurações sócio-político-culturais igualmente demandam um repensar de certas categorias como a categoria cultura, por exemplo.
Estes questionamentos foram suscitados durante experiências de pesquisas de graduandos de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS. Seus trabalhos estão publicados no livro Antropólogos em Ação: Experimentos de Pesquisa em Direitos Humanos, de 2007. Nos artigos, os alunos buscam problematizar o papel do antropólogo através de reflexões feitas a partir de experiências em projetos e pesquisas.
À luz de três artigos de Luis Felipe Rosado Murillo, Jaqueline Russczyk e Laura Zacher e da bibliografia fornecida sobre os desafios antropológicos no que tange à discussão dos direitos humanos, serão apresentadas diferentes possibilidades de se fazer Antropologia, até mesmo pelo fato de que trata-se de Antropologias e diferentes formas de engajamento antropológico consideradas as situações sociais estudadas.


ENGAJAMENTO ANTROPOLÓGICO E CONSEQUÊNCIAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS

Dos três artigos selecionados, em dois os autores enfatizam a necessidade de engajamento antropológico, tendo em vista as carências sociais dos grupos por eles estudados. Mais que compreender a realidade social de seus interlocutores, os estudantes buscam, de alguma forma, transformar a realidade local dos mesmos. Luis Rosado Murillo defende tal posicionamento em seu artigo: “Esboço de uma reflexão acerca da posição e do lugar do antropólogo” tendo como referência a dissertação de mestrado de Diego Soares da UFRGS sobre o Movimento dos Sem Terra, o MST (2003). Murillo mostra como através da produção de um discurso acadêmico e nomeador de ações o pesquisador pode ser um aliado de uma causa social. Este mesmo discurso que é carregado de um poder simbólico e produzido por um pesquisador o qual possui um vínculo com uma instituição de renome – o que lhe possibilita a negociação com as lideranças, no caso do MST para a inserção no campo.
Deve-se, entretanto, atentar-se para as “consequências políticas” desta postura equacionando quais os benefícios na defesa de grupos minoritários como os “sem-terra” e também os riscos quando se pretende assumi-los. Quanto à nominação de ações como fez Soares ao denominar de ocupação as atividades do MST, em vez de invasão como faz frequentemente a mídia, deve-se ter em mente o poder de nominação de leis e ações, poder este criador de entidades sociais (Segato, 2006) e de realidades. Ribeiro (2004:6) lembra quanto “classificações frequentemente produzem estereótipos úteis para sujeitar pessoas e povos através de simplificações que justificam a indiferença à heterogeneidade.”
Na mesma linha de pensamento segue a graduanda Jaqueline Russczyk em seu artigo “Dilemas e do fazer antropológico: considerações sobre uma experiência particular”. Nele, Jaqueline divide com o leitor sua experiência como cadastradora na comunidade de remanescentes de quilombolas de Morro Alto em Porto Alegre, no ano de 2005 e sua vivência na comunidade quilombola de Cambará no ano de 2003, pelo Programa Convivência. Em Morro Alto, Jaqueline auxiliou na coleta de dados para Relatório Técnico do INCRA. Este relatório deve conter o perfil socioeconômico dos indivíduos para averiguar quais dentre eles teriam direito à terra. O INCRA é responsável por identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular os territórios quilombolas.
Diante da constatação de uma ausência de infra-estrutura na comunidade de Cambará, onde prevalece a falta de empregos, de água potável e de eletrificação rural, Russczyk apóia uma intervenção acadêmica na comunidade com vistas à resolução de problemas sociais, “um voltar-se para a defesa das minorias discriminadas”, onde cabe ao antropólogo dialogar com o grupo, no caso, os remanescentes de quilombolas com o intuito de compreender suas necessidades e suas concepções sobre direito e justiça, por exemplo. Deve o antropólogo também ser um mediador para permitir ações por parte de instituições do Governo que visem à melhoria da qualidade de vida da população objeto de estudo.
Semelhantemente à Murillo, a autora enxerga nos movimentos sociais, bem como nas instituições do governo e acadêmicas, tomando a expressão de Foucault, agentes produtores de um saber-poder, justificando, assim, sua proposta intervencionista nos grupos minoritários.
Autores como Otávio Velho, Theophilis Rifiotis e Gustavo Lins Ribeiro também apostam em um engajamento antropológico que contesta um relativismo imóvel que unicamente descreve sociedades e não deve para com elas nenhum compromisso ético. Geertz (1999) explora em seu texto este tipo de relativismo à luz das considerações do antropólogo Lévi-Strauss sobre o etnocentrismo, conceito este tido por este autor como algo bom, necessário para a integridade de uma cultura. Geertz, por outro lado, rebate as alegações de Lévi-Strauss e mostra como o contato com valores diferentes dos nossos é enriquecedor para ambas as culturas e um relativismo que contemple trocas é chamado a atuar, de modo a “mudar nossa mentalidade”.
Retomando a questão lançada no parágrafo anterior, para Velho (1995), a Antropologia tem um “papel público” e pode-se dizer aí, político, com as sociedades que estuda. Isso se daria em razão da comprovação de uma falta de crenças e valores na nossa sociedade, o que levaria ao encontro de um homem sem convicções e amarras.
Rifiotis (1998) faz outras considerações a respeito de um engajamento antropológico. Para ele, uma intervenção acadêmica faz-se necessária considerando que os próprios grupos minoritários demandam ajuda e diálogo. Para Rifiotis, a dificuldade reside, porém, como conciliar o discurso científico e a intervenção, de modo que o texto antropológico produzido também possa servir para os grupos estudados.
Por último, Gustavo Ribeiro (2004) afirma o papel político do antropólogo ao explicitar os múltiplos pontos de vista presentes em uma dada cultura e conceder-lhes igual poder de fala.
O terceiro texto de Laura Zacher “Antropologia em campo no campo ou acampada? - Reflexões sobre o lugar do antropólogo junto a uma organização não-governamental na cidade de Porto Alegre” faz outro direcionamento quanto à questão do engajamento do antropólogo num nível não somente prático, de atuação do pesquisador, mas igualmente num nível de ordem metodológica. No artigo, Laura fala sobre a etnografia por ela realizada numa ONG em Porto Alegre surgida em 2004 que trabalha buscando garantir às crianças e adolescentes com menos probabilidade de serem adotados, à, efetivamente, ganhar uma convivência familiar.
A autora expõe angústias e anseios advindos do trabalho de campo na ONG, que depois ela própria após refletir sobre seu posicionamento em campo, de um estranhar de si mesma e não somente o “outro”, faz uma releitura dos mesmos. O estar em campo em busca da compreensão da política desenvolvida pela instituição levou Laura a problematizar não somente as práticas dos participantes da ONG, mas também as suas. Além disso, mais que registrar em caderno de campo suas observações, a estudante passou a dialogar com os atores-objeto-de-estudo, sem, contudo, intervir na realidade por ela estudada, mas como ela mesma diz “interagindo”. Tal decisão livrou-a do incômodo de definir uma posição perante o campo. Laura não era mais nem observadora, o que achava ser uma postura arrogante, nem consultora, mas uma antropóloga que interagia com a realidade social estudada.

A CATEGORIA DIREITOS HUMANOS

Cabe discutir neste ensaio também a própria categoria dos diretos humanos, categoria esta não consensual tanto no meio acadêmico quanto fora dele e motivadora de inúmeras indagações e dilemas.
É a partir do fim da Segunda Grande Guerra Mundial em 1948 que os direitos humanos começaram a ser fortemente discutidos pela comunidade internacional que temia novos ataques nazistas. Representes políticos de países como Estados Unidos e Rússia concordaram na formulação e implementação de uma Declaração Universal dos Direitos do Homem que estipulava os direitos civis e individuais do homem. Schuch (2009) nos mostra quão cheia de controvérsias foi a formulação desta Declaração e como diversos representantes nacionais não tiveram suas participações e opiniões expressas no conteúdo da mesma que privilegiou concepções ocidentais sobre o indivíduo e suas relações sociais.
Além disso, a história mundial nos fornece fatos de como a Declaração Universal dos Direitos do Homem é apropriada de forma arbitrária por diversos atores políticos que dela fazem uso para legitimar opressões sobre povos. Essa apropriação, por outro lado, incita a reivindicação de direitos pelas minorias sociais. Percebe-se aqui como os direitos humanos podem abrir diálogos para a construção de espaços sociais democráticos e como os mesmos igualmente podem autorizar ações autoritárias e que, desse modo, violam estes mesmos direitos.
Ribeiro (2004:2) nos atenta para o “campo de conflitos de interpretações” que são os direitos humanos e Daniela dos Santos (2003) nos apresenta as relações de poder estabelecidas neste campo dos direitos humanos, uma “categoria teórica”, mas também um “discurso político pragmático”.
Santos mostra de que forma as relações de poder refletem no fazer antropológico, este influenciado pelas relações assimétricas entre as antropologias centrais ( Estados Unidos, França e Inglaterra) e antropologias periféricas, estas frequentemente com um passado colonial, como no caso do Brasil. Isto, por sua vez, condicionará a maneira como os antropólogos periféricos apropriarão a categoria direitos humanos e como a antropologia terá suas especificidades/características (teóricas e metodológicas) de acordo com o contexto sócio-cultural-político em que ela se desenvolver. Por isso, a afirmação feita inicialmente no ensaio da existência de Antropologias e não de uma Antropologia.
Esta afirmação pode ser conferida no próprio objeto de estudo das antropologias centrais: o “outro” distante, exótico e da antropologia feita no Brasil, onde o “outro” faz parte da sociedade da qual o pesquisador vive.
Esta tradição disciplinar das antropologias centrais autoriza que o pesquisador intervenha em países periféricos quando observa que direitos humanos estão sendo violados (Santos, 2003). Tal atitude pode ser benéfica ao permitir que tais indivíduos possam ter garantida sua cidadania, mas também bate de frente com questões relativistas: o que é um atentado aos direitos humanos para o pesquisado dotado de valores ocidentalizados, pode não o ser para um indivíduo na China, por exemplo. Quanto a isso, Schuch (2009) cita em seu trabalho a antropóloga americana Laura Nader (1999) quando esta compara dois contextos culturais: o americano e o africano quanto as suas concepções sobre violações dos direitos humanos. Se por um lado, o implante de silicone pode ser tomado como uma violação dos direitos humanos pelo olhar de mulheres africanas, por outro, a retirada do clitóris pelas mulheres americanas é igualmente visto como uma monstruosidade que fere os direitos humanos. Como, então, implementar a noção de direitos humanos que consta na Declaração Universal dos Direitos do Homem em um nível global, tendo em vista diferentes concepções sobre esses mesmos direitos? Como querer que estes direitos tenham caráter universal? As respostas a estas perguntas são as mais variadas.
Schritzmeyer (2008) acredita numa “adesão crítica e sem culpa” aos direitos humanos que supere um relativismo evocado por Lévi-Strauss que se conforma com “cada um no seu quadrado” e que estimule diálogos entre diferentes indivíduos. Boaventura de Sousa Santos (2000) reitera e complementa o pensamento de Schritzmeyer ao propor uma “hermenêutica diatópica” que consiste na afirmação de que as culturas são incompletas. Por isso há a necessidade de um diálogo que contemple uma perspectiva do olhar do outro entre elas que, por sua vez, permitirá a constatação pelas mesmas de que ambas são, de fato, incompletas.

CONCLUSÃO

Este ensaio apresentou algumas formas de engajamento antropológico, considerando-se que o tão propalado “compromisso social, político e ético” para com os grupos estudados pelo pesquisador está na ordem do dia dentro e fora dos âmbitos acadêmicos. Isso pode ser verificado pela atuação de antropólogos como peritos quando o que se está em questão é a demarcação de terras, pelo trabalho deles em organizações não-governamentais, em ministérios e em organismos privados.
O que se deve ser levado em consideração quando os mesmos pretendem trabalhar em suas pesquisas com questões que passam pela discussão dos direitos humanos é de que essa não é uma categoria estável e remete-se a complexas relações de poder travadas por instâncias políticas exterior e, ao mesmo tempo, internamente ao mundo acadêmico. É preciso, pois, uma vigilância quanto “as categorias que utilizamos para descrever realidades” (Schuch, 2009:79) por parte do antropólogo-pesquisador, pois as mesmas possuem consequências políticas já observadas acima no artigo de Murillo (2007).
Além disso, a apresentação de algumas formas de pensar o papel do antropólogo e sua problemática relação com os direitos humanos, evidenciada nos trabalhos dos graduandos e em trabalhos de antropólogos mais experientes mostram o leque de opções, opções estas que são configuradas em campo, no contato com os interlocutores. Por isso, não existe uma única metodologia que dê conta de um trabalho etnográfico. A metodologia na disciplina é constantemente construída assim como a própria Antropologia ou Antropologias é (são) renovada(s) a todo instante. Este é um traço da disciplina, antes tido como uma crise.
O que é importante mesmo é a contribuição que o antropólogo pode dar ao estudo dos direitos humanos utilizando-se de seu instrumental teórico e metodológico para pensá-los, gerando novas apreciações. Da mesma forma, o conceito de direitos humanos obriga o pesquisador a repensar suas categorizações, seus pressupostos. A categoria, cultura, por exemplo, sofre uma reformulação quando se introduz o estudo dos direitos humanos. A cultura antes tida como fechada, compartilhada, consensual, é observada por outro ângulo que lhe confere características opostas às citadas.
Não me propus de forma alguma a escolher a “melhor forma” de pensar o trabalho do antropólogo e seu diálogo com os direitos humanos. Repito que o contexto é que definirá os instrumentos e as reflexões epistemológicas suscitadas no campo que tanto contribuirão para o fazer antropológico.
Concluindo com uma questão que foi levantada por Schuch (2009) citando Kant de Lima (1995), é difícil pensar em direitos humanos tendo em vista um sistema jurídico brasileiro cujo tratamento dos seus “sujeitos de direito” por suas diversas instâncias se dá de forma hierárquica e desigual. Como, portanto, pensar direitos humanos se a estrutura jurídico-política do país é permeada por contradições e atravessada por relações de poder?

Referências Bibliográficas:

MURILLO, Luis Felipe Rosado (2007). : “Esboço de uma reflexão acerca da posição e do lugar do antropólogo” in FLEISCHER, Soraya; SCHUCH, Patrice e FONSECA, Claudia (Org.) Antropólogos em Ação: Experimentos de Pesquisa em Direitos Humanos. Porto Alegre: Editora Da UFRGS, 2007.223P.
RIBEIRO, G. L. . Cultura, Direitos Humanos e Poder. Mais além do império e dos humanos direitos. Por um universalismo heteroglóssico. In: Claudia Fonseca. (Org.). Antropologia, Diversidade e Direitos Humanos. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004.

RUSSCZYK, Jaqueline Rosado (2007). : “Antropologia em campo, no campo ou acampada? – Reflexões sobre o lugar do antropólogo junto a uma organização não-governamental na cidade de Porto Alegre” in FLEISCHER, Soraya; SCHUCH, Patrice e FONSECA, Claudia (Org.) Antropólogos em Ação: Experimentos de Pesquisa em Direitos Humanos. Porto Alegre: Editora Da UFRGS, 2007.223P.
SANTOS, Daniela C. C. . Antropologia e Direitos Humanos no Brasil. In: Roberto Kant de Lima. (Org.). Antropologia e Direitos Humanos 2. 1 ed. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense, 2003, v. 1, p. 11-36.

ZACHER, Laura Rosado (2007). : “Dilemas e desafios do fazer antropológico: considerações sobre uma experiência particular” in FLEISCHER, Soraya; SCHUCH, Patrice e FONSECA, Claudia (Org.) Antropólogos em Ação: Experimentos de Pesquisa em Direitos Humanos. Porto Alegre: Editora Da UFRGS, 2007.223P.

SCHUCH, Patrice. “Entre o real e o ideal: a Antropologia e a construção de enunciados sobre direitos humanos”. In: Práticas de justiça: antropologia dos modos de governo da infância e juventude no contexto pós-ECA. POA, Editora da UFRGS, 2009.
RIFFIOTHIS, Theophilos. “Direitos Humanos: declaração, estratégia e campo de trabalho”. Trabalho publicado no Boletim da Associação Brasileira de Antropologia, n° 30.
SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. A defesa dos direitos humanos é uma forma de “ocidentalcentrismo”? Trabalho apresentado na 26ª Reunião Brasileira de Antropologia. Porto Seguro, 2008.
RIBEIRO, Gustavo Lins. “Cultura, direitos humanos e poder. Mais além do império e dos humanos direitos. Por um universalismo heteroglóssico”. In: FONSECA, Cláudia, TERTO JR, Veriano, e ALVES, Caleb Faria et al. Antropologia, diversidade e direitos humanos: diálogos interdisciplinares. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.
SOUZA SANTOS, Boaventura de. “Por uma concepção multicultural de Direitos Humanos”. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.). Identidades, Estudos de Cultura e Poder. SP, Hucitec, 2000.
SEGATO, Rita Laura. “Antropologia e Direitos Humanos. Alteridade e Ética no movimento de expansão dos direitos universais”. Mana, vol. 12 n° 1. RJ, 2006.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Foto retirada de: rogerhollander.files.wordpress.com

“A única luta que se perde é a que se abandona”
Hebe Bonafini, Madres de la Plaza de Mayo