quarta-feira, 24 de junho de 2009

“Então é verdade, no Brasil é duro ser negro?”

Por: Eliane Brum
Fazia tempo que eu não sentia tanta vergonha. Terminava a entrevista com a bela Lucrécia Paco, a maior atriz moçambicana, no início da tarde desta sexta-feira, 19/6, quando fiz aquela pergunta clássica, que sempre parece obrigatória quando entrevistamos algum negro no Brasil ou fora dele. “Você já sofreu discriminação por ser negra?”. Eu imaginava que sim. Afinal, Lucrécia nasceu antes da independência de Moçambique e viaja com suas peças teatrais pelo mundo inteiro. Eu só não imaginava a resposta: “Sim. Ontem”. Lucrécia falou com ênfase. E com dor. “Aqui?”, eu perguntei, num tom mais alto que o habitual. “Sim, no Shopping Paulista, quando estava na fila da casa de câmbio trocando meus últimos dólares”, contou. “Como assim?”, perguntei, sentindo meu rosto ficar vermelho. Ela estava na fila da casa de câmbio, quando a mulher da frente, branca, loira, se virou para ela: “Ai, minha bolsa”, apertando a bolsa contra o corpo. Lucrécia levou um susto. Ela estava longe, pensando na timbila, um instrumento tradicional moçambicano, semelhante a um xilofone, que a acompanha na peça que estreará nesta sexta-feira e ainda não havia chegado a São Paulo. Imaginou que havia encostado, sem querer, na bolsa da mulher. “Desculpa, eu nem percebi”, disse. A mulher tornou-se ainda mais agressiva. “Ah, agora diz que tocou sem querer?”, ironizou. “Pois eu vou chamar os seguranças, vou chamar a polícia de imigração.” Lucrécia conta que se sentiu muito humilhada, que parecia que a estavam despindo diante de todos. Mas reagiu. “Pois a senhora saiba que eu não sou imigrante. Nem quero ser. E saiba também que os brasileiros estão chegando aos milhares para trabalhar nas obras de Moçambique e nós os recebemos de braços abertos.” A mulher continuou resmungando. Um segurança apareceu na porta. Lucrécia trocou seus dólares e foi embora. Mal, muito mal. Seus colegas moçambicanos, que a esperavam do lado de fora, disseram que era para esquecer. Nenhum deles sabia que no Brasil o racismo é crime inafiançável. Como poderiam?
Lucrécia não consegue esquecer. “Não pude dormir à noite, fiquei muito mal”, diz. “Comecei a ficar paranoica, a ver sinais de discriminação no restaurante, em todo o lugar que ia. E eu não quero isso pra mim.” Em seus 39 anos de vida dura, num país que foi colônia portuguesa até 1975 e, depois, devastado por 20 anos de guerra civil, Lucrécia nunca tinha passado por nada assim. “Eu nunca fui discriminada dessa maneira”, diz. “Dá uma dor na gente. ” Ela veio ao Brasil a convite do Itaú Cultural, que realiza até 26 de junho, em São Paulo, o Antídoto – Seminário Internacional de Ações Culturais em Zonas de Conflito. Lucrécia apresentará de hoje a domingo (19 a 22/6), sempre às 20h, a peça Mulher Asfalto. Nela, interpreta uma prostituta que, diante de seu corpo violado de todas as formas, só tem a palavra para se manter viva. Lucrécia e o autor do texto, Alain-Kamal Martial, estavam em Madagáscar, em 2005, quando assistiram, impotentes, uma prostituta ser brutalmente espancada por um policial nas ruas da capital, Antananarivo. A mulher caía no chão e se levantava. Caía de novo e mais uma vez se levantava. Caía e se levantava sem deixar de falar. Isso se repetiu até que nem mesmo eles puderam continuar assistindo. “Era a palavra que a fazia levantar”, diz Lucrécia. “Sua voz a manteve viva.” Foi assim que surgiu o texto, como uma forma de romper a impotência e levar aquela voz simbólica para os palcos do mundo. Mais tarde, em 2007, Lucrécia montou o atual espetáculo quando uma quadrilha de traficantes de meninas foi desbaratada em Moçambique. Eles sequestravam crianças e as levavam à África do Sul. Uma menina morreu depois de ser violada de todas as maneiras com uma chave de fenda. Lucrécia sentiu-se novamente confrontada. E montou o Mulher Asfalto. Não poderia imaginar que também ela se sentiria violada e impotente, quase sem voz, diante da cliente de um shopping em um outro continente, na cidade mais rica e moderna do Brasil. Nesta manhã de sexta-feira, Lucrécia estava abatida, esquecendo palavras. Trocou o horário da entrevista, depois errou o local. Lucrécia não está bem. E vai precisar de toda a sua voz – e de todas as palavras – para encarnar sua personagem nesta noite de estréia. “Fiquei pensando”, me disse. “Será que então é verdade? Que no Brasil é difícil ser negro? Que a vida é muito dura para um preto no Brasil?” Eu fiquei muda. A vergonha arrancou a minha voz.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

A Cota de Sucesso da Turma do ProUni


ELIO GASPARI

A DEMOFOBIA pedagógica perdeu mais uma para a
teimosa insubordinação dos jovens pobres e negros. Ao
longo dos últimos anos o elitismo convencional ensinou que,
se um sistema de cotas levasse estudantes negros para as
universidades públicas, eles não seriam capazes de
acompanhar as aulas e acabariam fugindo das escolas.
Lorota. Cinco anos de vigência das cotas na UFRJ e na
Federal da Bahia ensinaram que os cotistas conseguem um
desempenho médio equivalente ao dos demais estudantes,
com menor taxa de evasão. Quando Nosso Guia criou o
ProUni, abrindo o sistema de bolsas em faculdades privadas
para jovens de baixa renda (põe baixa nisso, 1,5 salário
mínimo per capita de renda familiar para a bolsa integral),
com cotas para negros, foi acusado de nivelar por baixo o
acesso ao ensino superior. De novo, especulou-se que os
pobres, por serem pobres, teriam dificuldade para se manter
nas escolas.
Os repórteres Denise Menchen e Antonio Gois contaram
que, pela segunda vez em dois anos, o desempenho dos
bolsistas do ProUni ficou acima da média dos demais
estudantes que prestaram o Provão. Em 2004, os
beneficiados foram cerca de 130 mil jovens que dificilmente
chegariam ao ensino superior (45% dos bolsistas do ProUni
são afrodescendentes, ou descendentes de escravos, para
quem não gosta da expressão).
O DEM (ex-PFL) e a Confederação Nacional dos
Estabelecimentos de Ensino foram ao Supremo Tribunal
Federal, arguindo a inconstitucionalidade dos mecanismos
do ProUni. Sustentam que a preferência pelos estudantes
pobres e as cotas para negros (igualmente pobres) ofendiam
a noção segundo a qual todos são iguais perante a lei. O caso
Os pobres que entraram nas
universidades privadas deram uma
aula aos demófobos do andar de
cima ainda não foi julgado pelo tribunal, mas já foi relatado pelo
ministro Carlos Ayres Britto, em voto memorável. Ele
lembrou um trecho da Oração aos Moços de Rui Barbosa:
"Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com
igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade
real".
A "Oração aos Moços" é de 1921, quando Rui já prevalecera
com sua contribuição abolicionista. A discussão em torno do
sistema de acesso dos afrodescendentes às universidades teve
a virtude de chamar a atenção para o passado e para a
esplêndida produção historiográfica sobre a situação do
negro brasileiro no final do século 19. Acaba de sair um livro
exemplar dessa qualidade, é "O jogo da Dissimulação -
Abolição e Cidadania Negra no Brasil", da professora
Wlamyra de Albuquerque, da Federal da Bahia. Ela mostra o
que foi o peso da cor. Dezesseis negros africanos que
chegaram à Bahia em 1877 para comerciar foram
deportados, apesar de serem súditos britânicos. Negros
ingleses negros eram, e o Brasil não seria o lugar deles.
A professora Albuquerque transcreve em seu livro uma carta
de escravos libertos endereçada a Rui Barbosa em 1889, um
ano depois da Abolição. Nela havia um pleito, que demorou
para começar a ser atendido, mas que o DEM e os donos de
faculdades ainda lutam para derrubar:
"Nossos filhos jazem imersos em profundas trevas. É preciso
esclarecê-los e guiá-los por meio da instrução".
A comissão pedia o cumprimento de uma lei de 1871 que
prometia educação para os libertos. Mais de cem anos
depois, iniciativas como o ProUni mostraram não só que isso
era possível mas que, surgindo a oportunidade, a garotada
faria bonito.
Publicado na Folha de São Paulo, 17/06/2009

I ENADIR - Encontro Nacional de Antropologia do Direito

Data:
20.08.2009 - 21.08.2009


Local:
Cidade Universitária, São Paulo

Este evento contará com transmissão online.

1º dia (20/08/09 - 5ªf)
2º dia (21/08/09 - 6ªf)

Abertura

· Homenagem a Lygia Sigaud

I - Antropologia do Direito no Brasil: campo e perspectivas
· Coord: Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (USP)
· Cláudia Lee W. Fonseca (UFRGS)
· Guita Grin Debert (UNICAMP)
· Luis Roberto C. Oliveira (UnB)
· Theophilos Rifiotis (UFSC)

II - Antropologia do Direito e Sistema de Justiça
· Coord: Ana Cláudia Marques (USP)
· Alba Zaluar (UERJ)
· Antonio Rafael Barbosa (UFF)
· Kátia Sento Sé Mello (UFRJ)
· Paula Miraglia (ILANUD)

III - Antropologia do Direito e Marcadores Sociais da Diferença
· Coord: Heloísa Buarque de Almeida (USP)
· Gabriel S. Feltran (UFSCar)
· Jane Felipe Beltrão (UFPA)
· Rita Laura Segato (UNB)
· Yvonne Maggie (UFRJ)

Encerramento
· Coord: Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer (USP)
· Balanço do Encontro, perspectivas e propostas de ação.
· Debates entre expositores e coordenadores de mesas/ GTs e demais participantes.

GTs

1. Antropologia e sistemas de justiça criminal e juvenil
Este GT, a partir de abordagens antropológicas, tem o objetivo de reunir reflexões sobre o sistema de justiça criminal e o sistema voltado para crianças e adolescentes em conflito com a lei. Sugerimos trabalhos que privilegiem discussões sobre violência policial, ritual judiciário, formas de institucionalização de conflitos, sistema prisional, aplicação de medidas sócio-educativas, entre outros.
Antonio Rafael Barbosa e Paula Miraglia

2. Antropologia e direitos civis
Este GT pretende reunir pesquisas que abordem, sob um prisma antropológico, conflitos cujas soluções são discutidas em várias esferas de justiça, oficial e não oficiais, mas que estão fora da justiça criminal, tais como conflitos familiares, demandas que envolvam relações de consumo, relações de trabalho, entre outras.
Claudia L. Fonseca e Patrice Schuch

3. Antropologia, direitos sexuais e reprodutivos
Este GT está voltado para trabalhos antropológicos que explorem questões de gênero e sexualidade dentro do campo jurídico. Sugerimos a inscrição de propostas que analisem papéis sexuais em processos judiciais, direitos sexuais e reprodutivos, violência sexual, violência contra a mulher, entre outros.
Guita G. Debert e Lia Zanotta Machado

4. Antropologia, movimentos sociais e violência
Recomendamos a inscrição, neste GT, de trabalhos que analisem formas de organização e regulação de movimentos sociais, com ênfase em aspectos que os colocam ora na legalidade, ora na ilegalidade. Também serão bem vindos trabalhos antropológicos sobre a construção de identidades coletivas, representações de valores e suas dinâmicas internas de poder e de normatização.
Gabriel Feltran e Kátia Sento Sé Mello

5. Antropologia e direitos humanos
Este GT tratará das intersecções entre Direitos Humanos e Antropologia, incluindo tensões entre universalismo e relativismo cultural, percepções locais acerca de tratados internacionais, tanto do ponto de vista de Estados Nacionais quanto de outros agentes e agências, bem como embates entre significados culturais envolvidos em conceitos como o de dignidade da pessoa humana.
Luis R. C. de Oliveira e Theophilos Rifiotis

6. Antropologia e marcadores sociais da diferença
Esse GT tem como foco análises antropológicas sobre mecanismos sociais e jurídicos de produção de diferenças por meio de categorias como gênero, sexo, raça, etnia, classe e idade. Recomendamos a apresentação de trabalhos que abordem relações entre o Direito e essas categorias, tais como temáticas referentes à equidade, regulamentação jurídica de identidades, entre outras.
Heloísa Buarque de Almeida e Jane F. Beltrão

Promoção NADIR - Núcleo de Antropologia do Direito - USP
Apoios financeiros:
Pró-reitoria de Pesquisa - USP
Pró-reitoria de Cultura e Extensão Universitária - USP

Arquivos para download:
Ficha - Inscrição de participantes não expositores
Ficha - Inscrição de Propostas para GTs
Orientações - inscrição de resumos e envio de papers
Cartaz do Evento

Local: Prédio de Ciências Sociais
Endereço: Avenida Prof. Luciano Gualberto, 315
CEP: 05508-010
Bairro/Cidade: Cidade Universitária, São Paulo
Estado: São Paulo

Países pobres abrigam 80% dos refugiados

Do: ACNUR
O número de pessoas forçadas a se deslocar devido a conflitos e perseguições chegou a 42 milhões em todo o mundo no final de 2008, em meio a um claro retrocesso nas repatriações e a conflitos que se mantêm e resultam em deslocamentos prolongados. Este total inclui 16 milhões de refugiados e solicitantes de refúgio e 26 milhões de pessoas deslocadas em seus próprios países, conforme o relatório “Refúgio no Mundo – Tendências Globais”, divulgado hoje em Genebra pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).
O novo relatório afirma que 80% dos refugiados estão em países em desenvolvimento, assim como a maioria dos deslocados internos – uma população com a qual a agência da ONU para refugiados está cada vez mais envolvida. Muitos estão deslocados há anos sem previsão de uma solução. Apesar do total de 42 milhões de deslocados representar uma queda de cerca de 700 mil pessoas em relação ao ano anterior, novos deslocamentos verificados em 2009 – e não refletidos no relatório anual – anularam este declínio.
“Em 2009, já observamos novos e substanciais deslocamentos no Paquistão, Sri Lanka e Somália”, informou o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, António Guterres. “Enquanto alguns deslocamentos são breves, outros podem levar anos e até mesmo décadas para serem resolvidos. Continuamos enfrentando inúmeras situações de deslocamento interno prolongadas em locais como Colômbia, Iraque, República Democrática do Congo e Somália. Estes conflitos também geraram refugiados que fugiram para além das fronteiras de seus países”.
O relatório enumera 29 diferentes grupos de 25 mil ou mais refugiados em 22 nações que vivem exilados há cinco anos ou mais e para os quais não existe nenhuma solução imediata à vista. Isto significa que pelo menos 5,7 milhões de refugiados vivem em um limbo.
Aproximadamente 2 milhões de refugiados e de deslocados internos puderam retornar para casa em 2008, o que representa um declínio em comparação ao ano anterior. A repatriação de refugiados (604 mil) diminuiu 17%, enquanto que o retorno de deslocados internos (1,4 milhão) caiu 34%. Considerada a principal solução durável para os refugiados, a repatriação atingiu o segundo menor nível em 15 anos. O declínio reflete, em parte, a deteriorização das condições de segurança, principalmente no Afeganistão e no Sudão.
“Este é um indicador de que os movimentos em larga escala de repatriamento observados no passado desaceleraram,” diz o relatório, ressaltando que aproximadamente 11 milhões de refugiados retornaram para casa durante os últimos 10 anos - a maioria deles com o apoio do ACNUR.
Em 2008, a agência da ONU para refugiados propôs o reassentamento de 121 mil indivíduos a terceiros países, sendo que mais de 67 mil partiram para suas novas pátrias com a ajuda do ACNUR.
Do total de deslocados no mundo, o ACNUR assiste 25 milhões de pessoas, incluindo 14,4 milhões de deslocados internos – maior que os 13,7 milhões em 2007 - e 10,5 milhões de refugiados. Os outros 4,7 milhões de refugiados são palestinos que vivem sob o mandato de outra agência da ONU (UNRWA).
Nos últimos anos, o ACNUR tem fornecido cada vez mais ajuda aos deslocados por conflitos internos, ampliando seu mandato inicial de proteger e auxiliar refugiados que cruzaram fronteiras internacionais, de acordo com o processo de reforma humanitária da ONU. Desde 2005, o número de deslocados internos atendidos pela agência mais do que dobrou.
De acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocados Internos (IDMC, na sigla em inglês), o total global de deslocados internos chegou a aproximadamente 26 milhões nos dois últimos anos. Nenhuma agência específica tem responsabilidade sobre eles, mas a ONU introduziu a idéia de “trabalho conjunto”, por meio do qual são atribuídas responsabilidades às organizações individuais baseadas em sua especialidade. Para o ACNUR, isso significa a coordenação da proteção, a administração dos campos e abrigos.
“Ser forçado a deixar sua casa por causa de um conflito ou perseguição é uma tragédia, tendo cruzado ou não uma fronteira internacional,” afirma Guterres. “Hoje, presenciamos uma série de conflitos internos que geram milhões de deslocados. O ACNUR é comprometido com o trabalho em equipe junto à ONU e à comunidade humanitária para fornecer aos deslocados internos a ajuda que necessitam, assim como é feito para os refugiados.”
A Colômbia possui uma das maiores populações de deslocados internos do mundo, com aproximadamente 3 milhões de pessoas. O Iraque tinha aproximadamente 2,6 milhões de deslocados internos no fim de 2008 - com 1,4 milhão deles deslocados somente nos últimos três anos. Existem mais de 2 milhões de deslocados internos na região de Darfur, no Sudão. Novos conflitos armados no leste da República Democrática do Congo e na Somália no ano passado ocasionaram o deslocamento total de 1,5 milhão e 1,3 milhão de pessoas, respectivamente. O Quênia assistiu a um novo e extensivo deslocamento interno no começo de 2008, enquanto que o conflito armado na Geórgia forçou outras 135 mil pessoas a deixar suas casas. Outros aumentos de deslocamentos em 2008 ocorreram no Afeganistão, Paquistão, Sri Lanka e Iêmen.
A população de refugiados sob o mandato do ACNUR no ano passado caiu pela primeira vez desde 2006, em conseqüência da repatriação voluntária e da queda nas estimativas de refugiados e pessoas em “situação de refúgio” do Iraque e Colômbia. O número de refugiados em 2008 foi de 10,5 milhões, menor que os 11,4 milhões de 2007. Entretanto, o número de solicitações refúgio aumentou pelo segundo ano consecutivo para 839 mil – um aumento de 28%. A África do Sul (207 mil) foi o país que mais recebeu solicitações individuais, seguido pelos Estados Unidos (49,6 mil - estimativa do ACNUR), França (35,4 mil) e Sudão (35,1 mil).
Os países em desenvolvimento abrigam 80% de todos os refugiados, enfatizando a sobrecarga desproporcional naqueles menos capazes e mais necessitados de apoio internacional. Os principais países de acolhida em 2008 incluíam Paquistão (1,8 milhão); Síria (1,1 milhão); Irã (980 mil); Alemanha (582,7 mil), Jordânia (500,4 mil); Chade (330,5 mil); Tanzânia (321,9 mil); e Quênia (320,6 mil). Os principais países de origem de refugiados são o Afeganistão (2,8 milhões) e o Iraque (1,9 milhão) que, juntos, respondem a 45% de todos os refugiados sob a responsabilidade do ACNUR. Outros países de origem de refugiados incluem Somália (561 mil), Sudão (419 mil), Colômbia, incluindo pessoas em “situação de refúgio” (374 mil) e República Democrática do Congo (368 mil).
O relatório completo “Tendências Globais 2008” está disponível em inglês no site do ACNUR www.acnur.org.br e www.unhcr.org.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Reunião de Antropologia do Mercosul. GT 20: Implementação de Direitos e Gestão da Vida

Coordenadores:
Manuel Alberto Jesús Moreira, CEDEAD/Argentina (moreira.arrechea@gmail.com)
Patrice Schuch, UnB, Brasil (patrice.schuch@uol.com.br)

Resumo: O idioma dos "direitos" e a luta por "justiça" são hoje espaços de mobilizações diversas, articulando tanto dinâmicas de luta política, quanto novos processos de regulação social. Na medida em que tais elementos são importantes domínios em que as formas da vida individual e coletiva são problematizadas, tornam-se objetos inspiradores para análise antropológica. Este GT propõe-se a discutir tal problemática, reunindo trabalhos que, desde uma perspectiva etnográfica, analisem processos de constituição de novos sujeitos de direitos e seus atributos formadores, assim como as práticas, usos e significados da interseção entre projetos de implementação de direitos, novas tecnologias de gestão da vida e sensibilidades jurídicas particulares. O estudo das lutas disciplinares pela apropriação de novos conceitos, dos conflitos cognitivos em situações de perícia antropológica e na prática de projetos de mudança legal, da difusão da retórica dos direitos humanos e dos seus embates de poder e sentido são focos de grande interesse deste Grupo de Trabalho.
Palavras-chave: direitos, reformas legais, sensibilidades jurídicas.

Descrição das Sessões e Divisão dos Trabalhos:
Sessão I:

Parte I: Práticas de Justiça, Identidades e Memória

1) Fios da vida: direito à identidade e à memória. Crianças abrigadas, hoje adultas, diante de seus prontuários (São Paulo/ SP – Brasil)
Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, USP – Departamento de Antropologia (Docente), NADIR – USP/ Núcleo de Antropologia do Direito (Coordenadora), ABA – Comissão de Direitos Humanos (Presidente)

Em média, uma vez por mês, adultos procuram os arquivos da Fundação CASA – Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (São Paulo/ SP, Brasil) – em busca de prontuários referentes ao período em que, quando crianças e/ou adolescentes, passaram por abrigos dessa instituição. Segundo o Diretor do Arquivo, eles buscam fios de suas vidas. Querem saber quem foram seus pais, seus irmãos, onde nasceram, o que aconteceu para que fossem recolhidos como crianças abandonadas. O que faz com que esses adultos, vários anos depois de terem deixado os abrigos, queiram recuperar esses fios? Percebem a vida como um tecido? Tramado de que forma e por quais elementos? Que conjuntura os faz procurar e acessar seus prontuários? Como percebem, caracterizam, descrevem e justificam esse movimento de busca de “memórias institucionais” da infância e adolescência? Como interpretam essa busca para a construção de suas identidades? Em uma primeira fase da pesquisa (2009), em andamento, estão sendo acessados e lidos todos os prontuários desarquivados entre março de 2007 e março de 2009 (31 casos). Trata-se de uma etnografia documental e o foco da análise são as variáveis biográficas e os padrões procedimentais e cognitivos registrados pela instituição em seus relatórios técnicos, ofícios, exames médicos, psicológicos etc. Os resultados dessa análise é o que me proponho a apresentar. Em uma segunda fase (2010), espero obter, por intermédio da Fundação CASA, a possibilidade de contatar os adultos que solicitaram o desarquivamento dos prontuários analisados na primeira fase, para com eles realizar histórias de vida. Esta pesquisa integra o Projeto Temático “Antropologia da Performance: Drama, Estética e Ritual” (Processo 06/53006), financiado pela FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Neste temático respondo por reflexões sobre a produção de identidades em “rituais judiciários” e em dinâmicas de “sistemas de justiça”.
Palavras-chave: crianças recolhidas em abrigos, direito à identidade, direito à memória.

2) “As flexões legais da família: considerações de número e gênero acerca do Estatuto das Famílias”
Alexandre Zarias, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ, Brasil)

Esta comunicação tratará das concepções legais que a família assume no Estatuto das Famílias (Projeto de Lei 2.285/2007), que aguarda votação no Congresso Nacional Brasileiro. O projeto tem uma concepção plural de família, baseada nos princípios constitucionais de igualdade, dignidade e solidariedade. Em relação ao Código Civil Brasileiro (2002), o Estatuto inova alguns temas ao propor a noção de “entidade familiar”, sob a qual são reconhecidas as uniões homoafetivas, por exemplo. Ademais, altera a hierarquia das disposições que tratam do casamento, da união estável, do divórcio e da separação. Também são alterados os artigos que tratam do parentesco, da filiação e dos direitos e obrigações entre pessoas, introduzindo a concepção legal de “convivente”, dentre outras. Esse conjunto legal inovador será analisado sob dois aspectos. Primeiro, a partir do desenvolvimento da legislação brasileira, que diz respeito ao direito de família, após a promulgação da Constituição Federal (1988). Pode-se afirmar que o Estatuto representa uma tentativa de “descodificação” do direito de família. Nesse sentido, serão problematizadas possíveis conseqüências de sua aprovação. Em seguida, esse projeto de lei será examinado à luz da atual configuração da demanda por justiça na área de família. A partir dos resultados de um trabalho etnográfico realizado no município de São Paulo entre 2004 e 2007, em varas de família e sucessões, serão questionadas as principais propostas de mudança legal, tendo-se como referência as formas de acesso à justiça, o perfil socioeconômico dos litigantes e os tipos de demanda judicial mais comuns nessa área do direito. O Estatuto das Famílias, cujo formato é mais descritivo do que prescritivo, ao tratar das relações entre homens, mulheres e crianças, vai além de uma simples questão legislativa. Ele toca uma questão social, que é decisiva na determinação do sentido que a lei assume como elemento constitutivo de identidades, comportamentos e afetos.


3) Direitos além da lei: Famílias e afeto no Brasil
Dayse Amâncio dos Santos, Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, Brasil, Doutoranda em Antropologia)

Nas últimas décadas as transformações pelas quais a família brasileira vem passando tornaram evidentes que não há um modelo de arranjo familiar único. Dentro da antropologia as análises sobre família e parentesco demonstraram que não há um parâmetro de normalidade, o que se destaca é a existência da diversidade e da diferença. Nesse contexto, o mundo jurídico tem passado a reconhecer o afeto como um valor que pode legitimar arranjos familiares não previstos na lei. O objetivo deste trabalho é analisar como a afetividade vem sendo usada para decidir questões familiares levadas à Justiça. Considerando o afeto como um valor central para as famílias, passa-se a reconhecer como famílias as uniões homossexuais, uniões homoafetivas; as filiações que não decorrem de laços biológicos, denominada filiação sócio-afetiva; as relações decorrentes de famílias reconstituídas. O direito de família consagra a ordem estabelecida que é a estatal. O direito registra em cada momento um estado de relação de forças. Assim, o fato do afeto ser usado como um argumento para se reconhecer arranjos familiares não abarcados pela lei representa o ganho de força desse grupo dentro da sociedade. Com o intuito de compreender esse fenômeno, utilizaremos na análise a doutrina jurídica, a jurisprudência a respeito do tema, e o posicionamento de profissionais do direito.
Palavras-chave: famílias, direitos, afeto

4) Lealdade e direitos: fragmentos da memória no mundo do trabalho na campanha gaúcha.
Jussemar Weiss Gonçalves – Professor Dr. ICH – FURG e Letícia de Faria Ferreira – Doutoranda CPDA-UFRRJ.
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Esse artigo busca discutir a ambivalência que permeia as práticas do direito no mundo do gaúcho na campanha sul-riograndense. Esta ambivalência se constitui a partir de vivências ainda fortes de uma experiência tradicional, na qual os direitos do trabalho se vêem pressionados por ações envolvendo a figura do peão (trabalhador rural) e o patrão estancieiro (empregador) que se movem no interior de uma mentalidade marcada por condutas que não operam a partir do mundo dos direitos. Trata-se de uma etnografia com peões que trabalharam na década de 70 e 80 e com trabalhadores do campo de hoje na cidade de Herval/RS, onde as mudanças de perspectivas com relação ao emprego e aos direitos são trazidas à tona. Se por um lado nota-se nas falas desses trabalhadores a importância da chegada dos direitos na campanha, por outro, observa-se que estes constituem uma memória residual de identidades do gaúcho, ou seja, um imaginário de trabalhador livre, aventureiro, corajoso, domador, em suma, dono de si, elementos que aproximam peões de várias gerações. Desse modo, o peão de carteira assinada e que atualmente anda de moto pelos campos, tem aspectos de sua subjetividade herdada de um modo de vida secular do gaucho da campanha. Enquanto os trabalhadores das décadas anteriores eram provenientes da própria campanha, filhos de antigos peões ou de pequenos proprietários e seu universo de sociabilidade concentrava-se no local de vida e trabalho, hoje muitos dos peões advém das periferias de cidades da região e circulam por diversos espaços de sociabilidade. Embora sua vida não se reduza ao universo da fazenda, já que tem certos hábitos urbanos (moto, carro, TV, consumo, etc) a sua subjetividade parece realizar-se no encontro com valores gaúchos como o rodeio de gado, a jerra, o cavalo. Enfim, tenta-se observar como uma memória ainda estreitamente vinculada a uma prática pressiona a institucionalização dos direitos.
Palavras- Chaves: direitos, identidade e memória



Parte II: Direitos e Gestão da Vida

1) Justiça, Cultura e Subjetividade
Patrice Schuch, professora do Departamento de Antropologia da UnB

Este trabalho visa entender a relação entre novas tecnologias jurídicas e a formação de novas sensibilidades sociais. Partindo de uma etnografia sobre a implantação da justiça comunitária e da justiça restaurativa no Brasil, procura-se compreender a interconexão entre os mecanismos de difusão de novos modelos jurídicos e formas de gestão da vida. Argumenta-se que a atenção para as subjetividades individuais é fundamental para a compreensão dos modos como se efetivam as transformações em curso, podendo-se salientar que, na pesquisa em questão, a subjetividade é tanto uma categoria analítica, quanto um instrumento pelo qual novas formas de governo ganham vida. Este trabalho focalizará prioritariamente a compreensão desta constelação particular entre novos modelos judiciais, subjetividades individuais e a invenção da cultura.
Palavras-chave: justiça, subjetividade e formas de governo.


2) Anistia política, reparação econômica e justiça de transição: um estudo das medidas brasileiras compensatórias face às violações de direitos humanos durante a ditadura militar
João Baptista Alvares Rosito, Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAS/UFRGS)

O presente estudo enfoca os sentidos mobilizados pelos diferentes sujeitos envolvidos no processo de reparação econômica por perseguição política no Brasil referente ao período ditatorial (1964-1985). Regulamentada pela lei 10559 de 2002 e operada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça brasileiro, a reparação econômica por perseguição política é um dos elementos da chamada “justiça de transição”, um conjunto de parâmetros consagrados no Direito Internacional como elementares à plena transição para a democracia e à pacificação interna em sociedades que viveram contextos de arbítrio e violência interna. A partir de um enfoque etnográfico, busca-se entender de que forma tal legislação é posta em prática por meio das ações do órgão estatal responsável por sua aplicação e de que forma os beneficiários constroem suas demandas, articulando vivências pretéritas da militância contra a ditadura brasileira a estratégias contemporâneas de pleitos pela ampliação de políticas reparatórias, agora inscritas e justificadas através do corolário dos direitos humanos. A pesquisa desenvolveu-se a partir da observação participante de sessões itinerantes de julgamento realizadas em diversas cidades do país – as chamadas Caravanas da Anistia – entre julho de 2008 e março de 2009.
Palavras-Chave: direitos humanos, anistia política, reparação


3) A Gestão da Ausência: Concepções e ações policiais diante de casos de desaparecimento de pessoas no Rio de Janeiro
Letícia Carvalho de Mesquita Ferreira, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ

O desaparecimento de pessoas é um dos tipos de ocorrência registrados diariamente em delegacias brasileiras. Parentes, familiares e conhecidos de pessoas que não estão onde se espera que estivessem, não podem ser encontradas e/ou não fazem contato com os seus procuram delegacias para solicitar registros e investigações em torno do paradeiro daqueles comumente designados “desaparecidos”. Desprovido de definição legal, o desaparecimento é classificado pelos policiais que efetuam os registros como “fato atípico”. Passível de definição apenas por exclusão (não é crime, não prescreve em prazos determinados, não gera inquérito, etc.), destituído de um marco legal que oriente as investigações e encarado como menos relevante que outras ocorrências, o desaparecimento é constantemente definido, na prática, dentro das delegacias. O trabalho proposto analisa essa constante definição, procurando compreender o que é o desaparecimento e como os casos registrados são geridos. A partir de pesquisa etnográfica em setor da Polícia Civil do Rio de Janeiro que concentra, investiga e arquiva casos de desaparecimento registrados na capital do estado, foca casos arquivados em 2008. A pesquisa revela que são registrados como desaparecimento casos bastante heterogêneos. Em meio a esta heterogeneidade, contudo, o desaparecimento é regularmente encarado por policias como questão “de família” e/ou “social”, e não como “problema de polícia”. As formas de gestão dos casos implicam a distribuição de responsabilidades entre famílias, casas, círculos sociais, polícia e órgãos públicos diversos. Informa tal distribuição de responsabilidades a constante definição não só do que é o desaparecimento, mas também de qual é a competência da polícia diante de escolhas individuais e de demandas classificadas como “sociais”.
Palavras-chave: desaparecimento, polícia, responsabilidades


4) Do aborto à pesquisa com células-tronco embrionárias: o estatuto de embriões e de fetos e o debate sobre direitos humanos
Naara Luna, Professora visitante do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES), UFRJ, Doutora e pós-doutoranda em antropologia pelo PPGAS, Museu Nacional, UFRJ.

A comunicação analisa como o discurso dos direitos humanos é inserido em arenas do judiciário no Brasil nos debates sobre o aborto e sobre o estatuto de embriões humanos de laboratório criados por fertilização in vitro. Tais questões emergem no campo da saúde reprodutiva e chegam à esfera do Direito em vista dos problemas éticos suscitados em distintos contextos. Nas controvérsias sobre o aborto ou sobre a condição de embriões extracorporais, são contrapostos direitos inerentes aos sujeitos: por um lado, as prerrogativas das mulheres, por outro, direitos atribuídos a fetos e embriões independentemente de seu contexto. Assim, surge a representação de fetos e embriões na qualidade de sujeitos autônomos como se dispensassem o útero para seu desenvolvimento. O discurso para constituir fetos e embriões de laboratório em sujeitos de direitos aparece em eventos do Supremo Tribunal Federal que serão analisados: a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 que propõe incluir a antecipação de parto de anencéfalo e outras anomalias incompatíveis com a vida na interpretação dos permissivos para o aborto legal, e a Ação de Inconstitucionalidade (ADI) 3510 contra o artigo 5º da Lei de Biossegurança que autorizou o uso de embriões excedentes de reprodução assistida para a produção de células-tronco embrionárias. No último caso, direitos dos pacientes possíveis beneficiários da pesquisa são contrapostos ao direito de embriões congelados. Valores de autonomia, dignidade do ser humano e o direito à vida estão no cerne do debate. Serão examinados as audiências públicas desses processos e o julgamento da ADI 3510. Na defesa desse direito à vida, atores centrais são a Igreja Católica, outros segmentos religiosos, movimentos pró-vida, cientistas e juristas alinhados, de um lado, e no questionamento, movimentos feministas, juristas de orientação liberal, no campo religioso a ONG Católicas pelo Direito de Decidir, e cientistas pró-pesquisa com embriões.
Palavras chave: direitos humanos, aborto, estatuto do embrião.


5) Leis de inclusão do Surdo: Sinais de cidadania?
Maria Claudia Lara da Costa, Bacharel em Comunicação Social UEL, Especialista em Comunicação e Semiótica PUCPR, Docente Faculdades OPET, Mestranda PPGAS – UFPR – Curitiba/PR – Brasil

Diante da atual efervescência da Língua Brasileira de Sinais no contexto sócio-político do Brasil, este artigo discute o processo de construção Legal da cidadania do Surdo em contraposição à perspectiva prática de usos concretos quando as Leis saltam dos papéis para a realidade social. Num país onde 5,75 milhões de surdos (dos quais 80% não freqüentam a escola segundo estimativa do Ministério de Educação), instaurou-se em 2005 uma política educacional pela difusão nacional de um ensino bilíngüe (Língua Brasileira e Sinais e Português) intencionando proporcionar "educação para todos" através da inclusão obrigatória de 30% de crianças surdas à rede de ensino em três anos, e de um projeto de instrução para 27 mil professores e intérpretes em centros de treinamento em todo o país. Porém, a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos questiona a eficácia das políticas, pois a incorporação de crianças surdas não proporciona inclusão verdadeira, dada a qualidade precária das escolas e o fato que na delicada questão da relação com ouvintes nas escolas, sejam outros alunos ou professores, legislações inclusivas geram forçosamente áreas de contato social da pessoa surda na sociedade ouvinte. Num mundo de estranhamentos, tensões e adaptações, até mesmo as tecnologias midiáticas têm denotado a necessidade de uma reflexão “de perto e de dentro” sobre as experiências que circundam a vivência surda e a validade dos programas públicos dirigidos a essa fatia populacional.
Palavras-chave: Surdos; Leis de inclusão; práticas sociais.



Sessão II:

Parte I: Políticas Públicas e Promoção de Direitos

1) Las sexualidades en el campo del derecho: un análisis antropológico de las políticas públicas en la ciudad de Buenos Aires, Argentina
Cynthia A. del Río Fortuna (Doctoranda e investigadora del Instituto de Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofía y Letras/Docente de la Facultad de Ciencias Sociales, Universidad de Buenos Aires, Becaria doctoral CONICET) e Luciana Lavigne (Doctoranda e investigadora del Instituto de Ciencias Antropológicas, Facultad de Filosofía y Letras/Docente de la Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, Becaria doctoral CONICET).

La sexualidad se fue volviendo una dimensión de la vida cotidiana cada vez más privilegiada y políticamente regulada desde la constitución del estado moderno. Los modos de su ejercicio, las experiencias que supone y sus efectos –consecuencias en términos de procreación, relaciones con ciertos procesos de salud y enfermedad, articulación de esta dimensión en procesos de constitución de identidades individuales y sociales, por mencionar sólo algunos– fueron objeto de una activa producción de sentidos y de prácticas por parte de distintos actores sociales. Desde las últimas décadas del siglo XX, viene desenvolviéndose en el escenario internacional –y el argentino no constituye una excepción– un proceso político marcado por el reconocimiento de “nuevos derechos”. En este proceso participan viejos y nuevos actores sociales, con reivindicaciones, intereses y modalidades de intervención diferenciadas. Basándonos en el estudio de dos políticas públicas en torno a la sexualidad, una sobre la administración del acceso a la anticoncepción quirúrgica femenina, y la otra sobre la “educación sexual” en las instituciones escolares, en este artículo analizamos las características que adopta la gestión contemporánea de la sexualidad en la ciudad de Buenos Aires, Argentina. Asumimos un enfoque antropológico de las políticas públicas que implica dar cuenta de las premisas que subyacen y orientan los debates políticos en ciertas direcciones, a la vez que involucran determinadas definiciones de los problemas que reciben tratamiento político y sus formas de abordaje. Desde esta óptica, analizamos la constitución histórica del campo de la sexualidad en Argentina, y especialmente en la ciudad de Buenos Aires. Dentro de este proceso, atendemos a la definición de los derechos consagrados, la aparición y consolidación de nuevos agentes en el campo del derecho especializado en materia de sexualidad, y las políticas públicas que resultan de variables correlaciones de fuerza –y de sentidos– entre los distintos actores sociales que participan en esta trama históricamente constituida.
Palabras clave: sexualidades – políticas públicas – derechos




2) “El Paradigma de la Ambigüedad: la implementación de los derechos del niño en La Matanza. La Convención Internacional de los Derechos del Niño en el Territorio Local”.
Conrado García Rodríguez, Estudiante de la Lic. en Política Social, Instituto del Conurbano (ICO), Universidad Nacional de General Sarmiento (UNGS)/ Equipo Técnico del Servicio Local de Promoción de los Derechos del Niño – La Matanza.

El trabajo revisa las distintas concepciones sobre la infancia y las representaciones sociales que terminaron por configurar en la implementación de la Ley de Protección de los Derechos del Niño, provincia de Buenos Aires, un “paradigma de la ambigüedad” teniendo en cuenta: a) el desarrollo histórico de las políticas sociales de infancia que conllevan una representación social específica acerca de la misma; b) El avance de una ideología neoliberal excluyente; c) los avances internacionales y nacionales en legislación sobre infancia y el reconocimiento de derechos específicos y d) las formas en que se interviene a partir de la identificación de problemas y necesidades. Es decir, la historia, el contexto, el discurso y las prácticas. Para tal fin se analizará la implementación de la Ley, de la Provincia de Buenos Aires, “13298 de Protección y Promoción Integral de los Derechos del Niño” en el municipio de La Matanza a dos años de sancionada y puesta en funcionamiento luego del levantamiento de la medida cautelar que sobre ella pesaba. La Ley 13.298 adecua la normativa de la Provincia de Buenos Aires a los tratados internacionales y a la Constitución de la Nación Argentina, especialmente a la ratificación de la Convención Internacional de los Derechos del Niño (CIDN). El análisis de la implementación de políticas específicas para la infancia a nivel local permitirá ponderar los rasgos y características socio-político-institucionales que habilitan/posibilitan el cumplimiento de la ley tal como se establece desde la normativa.
Palabras Claves: Infancia, derechos, implementación de políticas.

3) O Estado e a violência contra a mulher: um estudo antropológico sobre a implementação da Lei Maria da Penha a partir do trabalho realizado pelo Centro de Referência às Vítimas de Violência da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Urbana da Prefeitura Municipal de Porto Alegre/RS –Brasil.
Gabriela Garcia Sevilla (Graduanda em Ciências Sociais – UFRGS. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC-CNPq.

Esta pesquisa analisa o trabalho realizado por assistentes sociais e psicólogos no âmbito do CRVV - Centro de Referência as Vítimas de Violência um órgão da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Urbana da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, no que diz respeito aos casos de violência doméstica contra a mulher e à implementação da Lei Maria da Penha (nº 11.340 de 7 de Agosto de 2006). O objetivo é perceber as transformações ocorridas a partir da mudança legal nas percepções que esses agentes do Estado têm acerca dessa violência e nas suas práticas de elaboração e execução de políticas públicas, projetos e parcerias com outros órgãos e entidades. Esta análise é feita a partir de uma perspectiva teórica que pensa as leis e práticas sociais de modo relacional. Para isso utiliza-se como metodologia a observação participante acompanhando os atendimentos oferecidos pelo CRVV e os encaminhamentos sugeridos, além das relações desse órgão com outros grupos e agentes que fazem parte da rede de proteção à mulher: o Juizado da Violência Doméstica, os Movimentos Sociais Feministas e de Direitos Humanos, ONG´s, outros órgãos públicos, etc. Também é analisada uma série de documentos, leis, construção de projetos, além de um seminário promovido pelo CRVV. Os dados já obtidos com essa pesquisa permitem afirmar que o trabalho deste órgão e dos seus operadores vai muito além de uma simples aplicação da lei, já que este espaço é um dos locais onde a lei é construída e posta em prática. Essa construção reflete a disputa e as tensões existentes na rede de proteção à mulher, devido à diversidade de percepções e sensibilidades jurídicas dos agentes e órgãos que a constituem.
Palavras-chave: direitos, violência contra a mulher, Lei Maria da Penha.


4) O “Sonho” da Justiça Social através do Progresso Tecnológico: desafios e perspectivas das políticas de informatização no Brasil
José Eduardo Chaves Costa, Universidade Tiradentes Severino Uchoa/ Graduação em Sistemas de Informação

O projeto da modernidade carrega em sua base de formação o ideal de progresso social sob a ótica do desenvolvimento racional dos meios tecnológicos. Primeiro com a revolução industrial, depois com as tecnologias de ponta, o imaginário de crescimento sócio-econômico passou a ser cada vez mais o da tecnologização, tendo como suporte não só o aprimoramento de máquinas, mas também, a preparação de mão de obra capaz de abastecer este novo modelo de estruturação. Diante disso, o mundo passou a viver o “sonho” da informatização, no qual o uso de computadores e da internet, passou a ser visto como fonte básica da socialização e do intercâmbio global, fortalecendo economias e gerando riquezas para os países. Com base em tal cenário, o presente trabalho tem como objetivo investigar os desafios e perspectivas do uso da informática nas escolas públicas brasileiras, tento em vista que, de acordo com o Programa Nacional de Informática na Educação (Portaria nº 522/1997), esta deve servir de base para a inserção dos jovens no atual contexto da modernização no campo de trabalho. Com isso, o Plano prevê que o contato do aluno com a informática deve levá-lo à inclusão e ao desenvolvimento social, garantindo, assim, formas básicas de cidadania. Tal investigação inferiu sobre a constatação de que muitos dos planos previstos não saem de projetos experimentais e outros, quando passam desta fase, muitas vezes acabam se esbarrando em realidades adversas daquelas imaginadas. Neste sentido, os desafios a serem superados perpassam por várias questões, dentre as quais: desmistificação da informática como sendo “fonte de cidadania” e progresso social; elaboração de políticas que dialoguem com a realidade em questão; desenvolvimento de propostas com caráter mais contínuo, tendo em vista a efemeridade e superficialidade em que muitas delas se estruturam.






Parte II: Direitos Humanos, Conflitos Sociais e as Tensões do Universalismo X Particularismo


1) Escalas y expectativas sociales de Justicia en la Argentina: la venganza, la amenaza de linchamiento y los justicieros por mano propia
Manuel Alberto Jesús Moreira, CEDEAD, Argentina

En los casos judiciales socializados y conectados a experiencias traumáticas de algún grupo o minoría como víctimas de la inseguridad, víctimas de accidentes viales provocados por conductores temerarios o víctimas de abusos sexuales se encuentran matices que oscilan entre el reclamo de justicia y la apropiación de formas extremas de pedir sanciones, buscar reparaciones inmediatas o repetir la acción con mayor violencia mediante ataques y destrucción de la propiedad del agresor, uso de armas de fuego o marchas hostiles con amenaza de linchamiento. Estas nuevas formas de gestionar oblicuamente para obtener justicia se ve legitimado por una cobertura periodística que instala la reacción popular como formas sediciosas que traspasan los límites legales y se apropian de un espacio que aparece como recuperado por la protesta y a la vez perdido por la democracia institucional. Me interesa proponer este debate desde lo que se podría denominar la nueva “conciencia legal” que parece ser un mecanismo donde el “pueblo” reasume brevemente el poder y recupera el escenario monopolizado por el Estado con una urgencia y determinación para exhibir medios punitivos alternativos que son justificados por la morosidad o incompetencia de los organismos del Estado y al mismo tiempo negados por la visión caótica de la convivencia que desatan.


2) Sistema Penal e Vozes do Cárcere: fragmentos etnobiográficos de indígenas presos no estado de Roraima-Brasil.
Alessandro Roberto de Oliveira, Doutorando em Antropologia Social – Universidade de Brasília, UnB-Brasil.

A situação de indígenas presos no Brasil e os processos que os conduziram a essa situação constitui um tema incipiente e de extrema relevância para o campo das Ciências Jurídicas e Sociais. O problema emerge no emaranhado de prescrições jurídicas, consensos internacionais e práticas de justiça relacionadas à diferença jurídico-cultural indígena face ao sistema de justiça penal vigente no país. Este trabalho assinala como a difusão da retórica dos direitos humanos reverbera neste campo de embates; situa perspectivas de instituições jurídicas, indígenas, indigenistas e a razão prática de operadores das instituições penais sobre o tema. Principalmente, enfoca as vozes de indígenas encarcerados em Boa Vista, Roraima - Brasil. Os fragmentos etnobiográficos d@s detent@s indígenas são reveladores das ambivalências do reconhecimento étnico nos processos penais. Neste quadro, o eixo antropológico clássico de tensão universal-particular é utilizado para refletir sobre dados etnográficos da interlocução com indígenas presos, tais como não-reconhecimento dos sistemas tradicionais de punição, sensibilidade jurídica à diferença étnica nas práticas de justiça e modos de regulação jurídica dos crimes em que os índios figuram como autores.
Palavras-chave: etnobiografias - sistema penal brasileiro - práticas de justiça.

3) O direito de dizer o direito: apropriações da legalidade em torno da guarda indígena pataxó da aldeia Coroa Vermelha
André Gondim do Rego, P PGAS - Universidade de Brasília

Esta discussão se baseia em um estudo etnográfico das formas de administração e resolução de conflitos na Aldeia Pataxó Coroa Vermelha, terra indígena situada no sul do estado da Bahia, região Nordeste do Brasil. Particularmente, o objetivo deste artigo é discutir a maneira como os Pataxó, por sua parte, e alguns órgãos estatais de justiça e polícia, por outra, se apropriam da legislação nacional e internacional para interpretar a legalidade da guarda indígena criada pelo grupo no início de 2005, contexto em que a criminalidade na comunidade vinha sofrendo um considerável aumento, e as autoridades responsáveis pela segurança se faziam ausentes. De lado a lado, as estratégias que suportam cada uma das interpretações em jogo não se limitam a uma exegese jurídica, envolvendo conjuntamente uma avaliação do trabalho realizado pela guarda e o acionamento de alianças institucionais diversas. Nesse contexto, a luta pelo direito de dizer o direito torna-se atravessada por referencialidades muitas vezes alheias ao campo jurídico em sentido estrito, mas que, por isso mesmo, podem ampliar suas possibilidades interpretativas, ao mesmo tempo que confirmam sua proeminência no que se refere ao ordenamento jurídico da sociedade. Ao revelarem o caráter processual do direito e da cultura, tais dinâmicas permitem avançar algumas considerações preliminares sobre idéias como as de direito consuetudinário e pluralismo jurídico, de debate apenas recente no Brasil.
Palavras-chave: Guarda indígena pataxó; Legalidade; Pluralismo jurídico.


4) Proyectos de Desarrollo y Conflictividad Social: análisis de las luchas sociales emergentes de la construcción de la represa Hidroeléctrica Yacyretá
Virginia Barreyro e Florencia Vely, CEDEAD- Argentina

A partir del inicio de las obras necesarias para la construcción de la Represa Hidroeléctrica de Yacyretá sobre el Río Paraná fue necesario iniciar un proceso de relocalización de las poblaciones asentadas a ambas márgenes del río lo cual ha provocado un evidente impacto socio-cultural. En efecto, la represa de Yacyretá obligó a relocalizar cerca de 40.000 personas en ambas márgenes del río, incluyendo la mayor afectación urbana a nivel mundial por esta causa (más de 20.000 personas en la ciudad de Posadas). El proceso de desalojo y reasentamiento duró aproximadamente 30 años y ocasionó no pocos conflictos, los “costeros” manifestaron su disconformidad de muchas formas: se negaron a trasladarse, otros ocuparon y abandonaron las nuevas viviendas, algunos continuaron la resistencia y expresiones de disconformidad. Esta disconformidad se tradujo en reclamos que se canalizaron de distintas formas. Unas veces judicialmente, otras en forma de protesta social, cortes de rutas y calles, manifestaciones o “escarches”. También se cruzaron e interrelacionaron diferentes actores o mutaron en nuevas denominaciones, se reagruparon y surgieron otros sujetos de derechos. (Cesteros, oleros, lavanderas, por nombrar algunos) con renovados reclamos judiciales. Todos estos actores y sus múltiples interacciones fueron formando un complejo entramado jurídico social. En este estado de cosas nos encontramos hoy con un grupo de “relocalizados” apostados frente a la oficina céntrica de la EBY en Posadas que reclaman el dinero para la construcción de muros perimetrales y de contención en su Barrio. En este punto cabe preguntarnos: ¿Estamos ante un “movimiento social? De ser así ¿Es un nuevo movimiento social que emerge o el producto de la mutación del mismo movimiento social a través de las décadas? ¿Podemos hablar de una rejudicialización de los relocalizados? Sobre estos interrogantes nos proponemos problematizar.


5) Derechos Humanos, Neoliberalismo y Cooperativas de Trabajo: el caso del Hotel BAUEN
Karen Ann Faulk (Universidad de Carnegie Mellon, Pittsburgh, Pennsylvania)
Esta ponencia explora las relaciones entre el discurso transnacional de derechos humanos y el del neoliberalismo. La idea contemporánea de derechos humanos tiene su origen en el liberalismo clásico, pero su expresión moderna tomó su forma actual en los años directamente posteriores a la Segunda Guerra Mundial. Sin embargo, esta idea, consagrada en la Declaración Universal de Derechos Humanos de las Naciones Unidas, empieza a recibir una atención sin precedentes en los años noventa, al mismo tiempo que el neoliberalismo alcanza su máxima aplicación en los países sudamericanos. Países como la Argentina han tenido un papel clave en la formación misma de las leyes, instituciones e ideas transnacionales de derechos humanos. Sin embargo, esta ponencia propone que existe una desconexión entre el discurso transnacional y su versión local (o sus versiones locales). Parte de esta desconexión está relacionada con la manera en que la idea de derechos humanos al nivel internacional ha sido adoptada y promulgada en conjunto con el discurso del neoliberalismo. Con base en mi investigación etnográfica en Buenos Aires, esta ponencia explora como los límites del discurso transnacional de derechos humanos son contestados y retados de diferentes maneras por una numerosa cantidad de movimientos sociales actuales. Específicamente, uso el caso del Hotel BAUEN, una empresa recuperada, para mostrar como las cooperativas de trabajo que se han formado en los últimos años utilizan la idea de derechos humanos al proponer sus derechos al trabajo como un derecho humano. En este contexto, se ve como estas organizaciones recientes están insistiendo en que sean respetados y garantizados los derechos económicos, formalmente reconocidos en los pactos internacionales pero dejados a un lado o canalizados en programas que dan primacía a la propiedad privada por la variante neoliberalista.
Palabras claves: derechos humanos económicos, neoliberalismo, cooperativas

quarta-feira, 3 de junho de 2009

As Cotas Desmentiram as Urucubacas

ELIO GASPARI (publicado na Folha de São Paulo, 03/06/2009)

QUEM ACOMPANHASSE os debates na Câmara dos Deputados em 1884 poderia ouvir a leitura de uma moção de fazendeiros do Rio de Janeiro:"Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos da desorganização do atual sistema de trabalho."Livres os negros, as cidades seriam invadidas por "turbas ignaras", "gente refratária ao trabalho e ávida de ociosidade". A produção seria destruída e a segurança das famílias estaria ameaçada.Veio a Abolição, o Apocalipse ficou para depois e o Brasil melhorou (ou será que alguém duvida?).Passados dez anos do início do debate em torno das ações afirmativas e do recurso às cotas para facilitar o acesso dos negros às universidades públicas brasileiras, felizmente é possível conferir a consistência dos argumentos apresentados contra essa iniciativa.De saída, veio a advertência de que as cotas exacerbariam a questão racial. Essa ameaça vai completar 18 anos e não se registraram casos significativos de exacerbação. Há cerca de 500 mandados de segurança no Judiciário, mas isso nada mais é que a livre disputa pelo direito.Num curso paralelo veio a mandinga do não-vai-pegar. Hoje há em torno de 60 universidades públicas com sistemas de acesso orientados por cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de 10 mil jovens beneficiados pela iniciativa.Havia outro argumento: sem preparo e sem recursos para se manter, os negros entrariam nas universidades, não conseguiriam acompanhar as aulas, desorganizariam os cursos e acabariam deixando as escolas.Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotistas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi de 13%. No universo dos não cotistas, esse índice foi de 17%.Quanto ao aproveitamento, na Uerj, os estudantes que entraram pelas cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos demais. Na Federal da B ahia, em 2005, os cotistas conseguiram rendimento igual ou melhor que os não cotistas em 32 dos 57 cursos. Em 11 dos 18 cursos de maior concorrência, os cotistas desempenharam-se melhor em 61 % das áreas.De todas as mandingas lançadas contra as cotas, a mais cruel foi a que levantou o perigo da discriminação, pelos colegas, contra os cotistas.Caso de pura transferência de preconceito. Não há notícia de tensões nos campus. Mesmo assim, seria ingenuidade acreditar que os negros não receberam olhares atravessados. Tudo bem, mas entraram para as universidades sustentadas pelo dinheiro público.Tanto Michelle Obama quanto Sonia Sotomayor, uma filha de imigrantes portorriquenhos nomeada para a Suprema Corte, lembram até hoje dos olhares atravessados que receberam ao entrar na Universidade de Princeton. Michelle tratou do assunto em seu trabalho de conclusão do curso. Ela não conseguiu a matrícula por conta de cotas, mas pela prática de ações af irmativas, iniciada em 1964. Logo na universidade onde, em 1939, Radcliffe Heermance, seu poderoso diretor de admissões de 1922 a 1950, disse a um estudante negro admitido acidentalmente que aquela escola não era lugar para ele, pois "um estudante de cor será mais feliz num ambiente com outros de sua raça". Na carta em que escreveu isso, o doutor explicou que nem ele nem a universidade eram racistas.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Direitos e Antropologias Humanas


Por: Ana Paula Rabelo (estudante de Ciências Sociais na UnB)
Através das leituras realizadas até o momento na disciplina Antropologia e Direitos Humanos, pudemos entrar em contato com um pouco da problemática ao se falar, ao se estudar e ao se aplicar o termo Direitos Humanos. Este tema é constituído por enorme complexidade teórica, pois envolve, na maioria das vezes, intervenções em situações concretas por parte do pesquisador. Partindo do pressuposto de que a pesquisa deve sair do mundo acadêmico por apresentar um caráter potencial de interferência na realidade, acredito que as situações sobre as quais refletimos em sala de aula nos serviram para despertar um olhar crítico sobre a questão.
Para o presente trabalho, decidi apresentar uma análise sobre dois filmes por eles apresentarem temas bastante inquietantes e por suscitarem reflexões que penso serem pertinentes aos conteúdos estudados. Os filmes escolhidos foram A Maçã, de Samira Makmalbaf e Crianças Invisíveis, organizado por sete diretores de diferentes países.
O primeiro deles, iraniano, revelou-se muito interessante ao contar a história real de duas irmãs gêmeas, de 12 anos de idade, que foram mantidas presas em casa por 11 anos pelo pai (já idoso e, poderíamos dizer, “fanático” religioso), o qual justificava o cárcere pelo fato de a mãe das meninas ser cega e não poder cuidar delas enquanto ele saía. Entretanto, essa justificativa não representa todos os reais motivos do pai, pois as meninas nunca haviam saído de casa, sequer acompanhadas. Além disso, o pai fala sobre o trecho do Livro (acredito ser o Alcorão) que apresenta o seguinte conselho para os pais: “uma menina é como uma flor, se o sol brilhar sobre ela, murchará”.
O filme foi dirigido por Samira Makmalbaf, de apenas 17 anos na época, e encontrou alguns obstáculos durante a sua produção, como a constante visita do governo durante as filmagens, que durou somente 11 dias. Os personagens do filme foram interpretados pelos próprios sujeitos da história real, o que faz com que o filme tenha um aspecto de documentário-ficção.
Tudo isso faz dessa história uma metáfora sobre a condição da mulher iraniana: ao mesmo tempo em que sofre com alguns aspectos do sistema religioso, pode apresentar o contraste de uma jovem conseguir realizar uma produção cinematográfica, com um cunho quase denunciatório.
O segundo filme, Crianças Invisíveis, que tem como aliados a UNICEF e o Fundo Mundial de Alimentos, é constituído por sete histórias dirigidas por sete cineastas diferentes: Mehdi Charef (África do Sul), Emir Kusturica (Sérvia-Montenegro), Spike Lee (Estados Unidos), Kátia Lund (Brasil), Jordan Scott e Ridley Scott (Inglaterra), Stefano Veneruso (Itália) e John Woo (China). Cada uma delas narra situações sobre as condições de vida dos países de origem dos cineastas.
O filme dá voz a crianças que na realidade não têm direito a um nome ou a um rosto e que sofrem com as (famosas) violações dos direitos humanos. Mehdi Charef nos mostra, sem identificar o país africano em que se passa a história, uma situação freqüente neste continente quando crianças acabam se envolvendo nas diversas guerras civis, como o jovem Tanza. Emir Kusturica apresenta com humor o caso de um garoto cigano, Urosz, prestes a sair de um reformatório, mas que prefere estar preso ali, protegido, a estar em liberdade, com o “pai” obrigando-o a roubar. Spike Lee retrata a vida de uma garotinha de 13 anos, Blanca, que sofre preconceitos na escola por ser portadora do HIV, o qual foi transmitido a ela pelos pais, viciados. Seu pai é veterano da guerra do Iraque e contraiu a doença ao usar drogas. Kátia Lund nos mostra, com realismo, a pobreza urbana, contando a história de dois irmãos, Bilu e João, que vivem através da venda de materiais recicláveis na cidade de São Paulo. Jordan e Ridley Scott nos apresentam um fotógrafo de guerra, Jonathan, que vive assombrado pelas suas lembranças e que encontra em suas fantasias e memórias de infância um pouco de conforto para seus tormentos. Stefano Veneruso nos descreve a história de Ciro, que vive entre o crime e as brincadeiras nas ruas de Nápoles, longe das brigas em sua casa. Finalmente, John Woo expõe a comovente história de duas garotinhas chinesas, a aguda diferença social que as separa e os acontecimentos que as unem em alguns momentos.
Os curtas-metragem, mais do que retratos, nos servem para despertar o olhar para diferentes formas de violação dos direitos humanos e, principalmente, analisar os diferentes contextos em que ocorrem tais situações.
A partir do exposto, podemos refletir sobre algumas questões levantadas pelos filmes e que se relacionam com as nossas discussões. Ao olhar para essas diferentes histórias, o antropólogo deve, além de analisar as especificidades de cada uma delas, localizá-las dentro dos contextos históricos em que estão posicionadas. CORREA DOS SANTOS (2003) e RIBEIRO (2004), por exemplo, enfatizam bastante a importância de observarmos as origens históricas dos acontecimentos, as ideologias por trás deles e as relações de poder presentes.
Essa autora nos lembra da perspectiva histórica em que se inserem os direitos humanos, uma vez que foram criados a partir de pressuposições e valores claramente ocidentais, envolvendo também uma arena internacional não democrática. Da mesma forma, essas desigualdades estão presentes na prática antropológica. Ela destaca o que chamou de divisão do trabalho intelectual, através da qual a antropologia (e também outras ciências, acredito eu) se divide. De um lado estão as antropologias dos países periféricos, fornecedoras de “matérias-primas”, os dados, e importadoras de teorias que são produzidas pelas antropologias dos países centrais. As teorias e análises provenientes dos países periféricos pouco ou nada contribuem para os outros países.
Isso se manifesta na questão dos direitos humanos, onde podemos perceber que as violações são apenas observadas nos países periféricos, pelos países centrais. Este fato dá margem à reprodução de relações de poder já estabelecidas, nas quais os países centrais possuem a pretensão de explicar e intervir no que ocorre em países periféricos, enquanto estes observam quase que passivamente. As histórias abordadas pelos filmes são bons exemplos de possíveis “matérias-primas”, mas que se constituem por uma enorme diversidade cultural inserida nos atuais contextos econômico e político mundiais.
O que a autora chama atenção é para a dificuldade de se implementarem direitos garantidos internacionalmente em cada realidade local. As violações sistemáticas dos direitos humanos ocorrem devido a uma herança histórica (colonialismo) e a processos atuais de desenvolvimento do capitalismo mundial (neocolonialismo).
O problema está no fato de que as políticas econômicas dos países centrais também são violações dos direitos humanos, mas não são vistas dessa forma, uma vez que os direitos privilegiados nas discussões são os direitos cívicos e políticos. O cuidado deve ser tomado para que a retórica dos direitos humanos não acabe se transformando em mais uma forma de colonialismo e de relação de poder desigual entre centro e periferias. Os textos com os quais pudemos ter contato tentam se aprofundar nesses dilemas apresentados ao se lidar com os direitos humanos.
No que se refere aos filmes analisados, seis das oito histórias se passam em países de periferia. Daí, podemos citar a colocação da autora de que os países de periferia não dialogam sobre o que ocorre dentro das periferias. Se isso ocorresse, daria muito mais legitimidade aos debates e às possíveis soluções. Significaria, portanto, mais voz para esses países e talvez uma minimização das relações de poder dentro da comunidade argumentativa, dando aos interlocutores, maior condição de fala.
Já SCHUCH (2009) nos chama atenção para a forma como os enunciados sobre os direitos humanos são construídos. A Declaração Universal dos Direitos do Homem coloca os indivíduos acima de qualquer tradição cultural e religiosa. Entretanto, como é possível pensar isso em países islâmicos, onde Religião e Política são indissociados? Onde Governo, Lei e Religião se confundem, se não são a mesma coisa? Essa questão também foi levantada por SEGATO (2006), quando ela diz que não há separação entre Igreja e Estado nos países islâmicos e que os direitos humanos são vistos nesses países como uma imposição dos valores ocidentais e como uma continuidade da hegemonia cultural e política do Ocidente.
Mas como agir diante da história real apresentada em A Maçã, onde, devido a uma crença religiosa, duas crianças foram mantidas presas durante quase toda a vida, apresentando quase nenhuma habilidade de fala, de sociabilidade e até dificuldades de locomoção? Além do fator religioso, a questão do gênero também está explícita.
Como agir diante das histórias de Crianças Invisíveis, como a que se passa na África, onde crianças e jovens são envolvidos em guerras civis, quando tais guerras foram provocadas (ou pioradas) pela colonização sofrida por esses países? Colonização esta feita pelos países que formularam a Declaração de Direitos do Homem e que hoje encabeçam a defesa desses direitos nos países onde mais são violados.
Acredito que CORREA DOS SANTOS, tenta imaginar as relações de poder sendo minimizadas dentro da comunidade internacional. Como fazer isso? Todas as propostas apresentadas pelos autores lidos na disciplina esbarram nessa pergunta.
Um ponto importante é o de fazer desses olhares e dessas análises um “jogo de espelhos”, termo de Laura Nader, citada no texto de SCHUCH. Este jogo de espelhos seria um duplo olhar para as violações de direitos humanos, ou seja, olhar para as violações que ocorrem também nos países centrais, considerando que os ativismos destes países nos países onde interferem está revestido por um projeto hegemônico. Essa seria uma tentativa de construir uma forma de conhecimento que leve em conta a distribuição do poder e das ações resultantes do poder.
Desta forma, poderiam ser mais enxergadas situações como as das histórias de Blanca e Jonathan, personagens de Crianças Invisíveis, dos Estados Unidos e da Inglaterra, respectivamente. Blanca é uma garota negra de 13 anos de idade que sofre com o preconceito por ser portadora do vírus HIV. Além disso, seus pais são viciados em drogas, sendo que seu pai é veterano da guerra do Iraque. Jonathan é fotógrafo de guerra e sofre com tudo que já presenciou.
Isso me faz pensar na invasão dos Estados Unidos no Iraque, com o pretexto de levar a “democracia” e os direitos humanos para este país. Ao mesmo tempo em que agem com esse propósito, os meios usados para tal são tão absurdos quanto acreditar que eles têm o “direito” de fazer isso (ou o dever). Por que não se observa que os direitos humanos dos cidadãos estadunidenses obrigados a ir a combate estão sendo violados? Que eles sofrem uma violência enorme ao ter que praticar os atos que praticam na guerra? Que eles voltam para seu país e não conseguem retomar a vida “normal”? Falo isso porque assisti a um documentário (que infelizmente não consegui descobrir o nome) sobre as seqüelas da guerra em soldados estadunidenses, muitos deles cometendo suicídio, apresentando quadros de depressão ou convivendo para o resto de suas vidas com as mutilações de seus corpos. Além disso, os soldados contam diversas histórias sobre o real genocídio que estavam praticando no Iraque.
Apenas no parágrafo acima, podemos observar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem apresenta sérias contradições mesmo por aqueles que estão com o discurso de levá-la a todo o mundo (impô-la, se preferirem): “seres humanos (...) libertos do terror e da miséria” (2° parágrafo da Declaração); “encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações” (4° parágrafo); “direito à vida” (Artigo 3°); “ninguém será submetido à tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes” (Artigo 5°); “tribunal independente e imparcial” (Artigo 10°); “ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação” (Artigo 12°) etc. Poderíamos citar muitas outras violações relacionadas à guerra acima citada ou a outras ações deste país (Estados Unidos), como a manutenção durante anos da prisão de Guantânamo, em contradição com o Artigo 9°, no qual “ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado”.
Dado o exposto, podemos notar a dificuldade em se falar dos Direitos Humanos no cenário atual. Contudo, apresentar soluções é a etapa mais importante dessa discussão (e a mais difícil também).
SCHRITZMEYER (2008) nos chama a assumir todo esse “ocidentalcentrismo” dos Direitos Humanos e buscar alternativas éticas para não nos sentirmos politicamente paralisados. A autora coloca a proposta da adesão crítica de Luís Eduardo Soares, a qual visa reconhecer que intervir em culturas alheias em nome dos direitos humanos (enquanto expressão de valores específicos) constitui uma postura etnocêntrica, mas que tal adesão aponta para a possibilidade de diálogos e negociações, explorando o que esses direitos têm de menos etnocêntricos. Explica que tanto a antropologia quanto os direitos humanos possuem marcas de nascença vinculadas ao colonialismo, ao etnocentrismo (e a outros ismos), mas que a partir do momento em que isto é reconhecido, é possível explorar suas melhores potencialidades. Parece-me interessante também o ponto em que fala sobre a abertura de horizontes particulares, pois isto soa como um objetivo da antropologia em si, a fim de que haja concessões frente a conflitos. O que é esquecido nessa proposta é: quem vai fazer as concessões? Contudo, acredito que ela é bem sensível ao dizer que, nos diálogos intergrupais, é necessária uma tentativa de compartilhar também sentimentos e os diferentes sentidos desses sentimentos, não apenas aquilo que é racionalmente traduzível.
A proposta de RIBEIRO (2004) chama a atenção para o fato de o poder ser exercido por meios simbólicos, entre eles pelo ato de nomear e de categorizar. Várias noções possuem essa marca, como a noção de desenvolvimento e a própria noção de Direitos Humanos. Explica que há particularismos que são usados para exercer hegemonia e outros para se opor a ela, o que pode ser entendido claramente também na temática dos direitos humanos, uma vez que ele, ao mesmo tempo em que pode ser um instrumento de dominação, pode também ser um instrumento de emancipação. O ponto em que discordo de RIBEIRO é quando ele propõe e acredita ser possível um universalismo heteroglóssico que estabeleça certos consensos sobre limites que não podem ser ultrapassados, como é o caso do genocídio, da tortura, do racismo, da xenofobia. Acredito que há um pouco de ingenuidade ao acreditar que esses consensos podem ser estabelecidos, já que existe uma grande dificuldade em se definir cada um desses termos e a sua definição não vai impedir que as relações de poder, tão enfatizadas pelo autor, continuem a operar.
As propostas com as quais mais me identifiquei foram com as de SEGATO (2006) e de SOUZA SANTOS (2000). A primeira delas me parece interessante por ocorrer num plano mais subjetivo, digamos. O impulso ético seria algo que nos faria vislumbrar a reflexão, enquanto indivíduos e enquanto sociedade. Parte do princípio de que os seres humanos não são programados e cômodos, mas estão inseridos em uma historicidade, em um movimento de transformações que parte do nosso desejo por novas possibilidades. Significaria ter a insatisfação como postura filosófica, como ela cita no texto.
Esta proposta se aplicaria ao permitir desafiar nossas próprias pressuposições, desconfiar de nossas crenças e, acima de tudo, permitiria ouvir o outro, não apenas para compreendê-lo, mas para saber o que ele pensa sobre nós, o que espera de nós. A antropologia poderia então contribuir para desenvolver nossa sensibilidade ética, fazendo com que nos desconheçamos no olhar do outro. A partir disso, estranharíamos nosso mundo e poderíamos revisar nossa moral e nossa lei.
Menos filosófica que esta, temos a proposta de SOUZA SANTOS (2000), que tenta identificar condições em que os direitos humanos possam ser postos a serviço de uma política emancipatória, em âmbito global e com legitimidade local. Para tanto, começa descontruindo a noção que temos de globalização como algo único, nos mostrando que, na verdade, ela é um processo que envolve diferentes conjuntos de relações sociais que geram diferentes globalizações. Portanto, existe apenas no plural e pressupõe localizações, ou seja, enfatiza o sentido de local daquilo que não se tornou globalizado.
Para o autor, há quatro modos de produção de globalizações: o localismo globalizado (uma condição local que se torna global), o globalismo localizado (algo local que se torna local), o cosmopolitismo (uso das possibilidades de interação transnacional em prol de interesses comuns) e o patrimônio comum da humanidade (temas de natureza global). Para ele, enquanto os direitos humanos forem considerados como universais, agirão como um localismo globalizado. Sua proposta é no sentido de transformá-los numa forma de cosmopolitismo, o que implica sua reconceitualização como multiculturais.
Suas premissas principais seriam de reconhecer que todas as culturas e todas as versões de dignidade humana são incompletas e que um diálogo intercultural pode levar a uma concepção mestiça de direitos humanos, organizando uma constelação de sentidos locais e formando redes de referências normativas capacitantes. A hermenêutica diatópica agiria não para atingir a completude das culturas, mas para ampliar a consciência de incompletude mútua por meio de um diálogo. O ponto mais importante da hermenêutica diatópica é o da reivindicação da legitimidade local, o que penso ser fundamental.
Acredito que se juntarmos um pouco da cultura de direitos de que fala CORREA DOS SANTOS, a adesão crítica, o impulso ético e a hermenêutica diatópica, poderíamos tornar nosso olhar mais sensível para a questão dos direitos, uma vez que estamos diante de grande pluralidade nas concepções de direito. A partir daí, tentar buscar não uma antropologia, mas antropologias mais humanas, que usem a intervenção como uma das faces da pesquisa (talvez uma face inevitável) e que se articulem com o propósito de transformar as relações de poder existentes. Para tanto, é necessário uma maior união periferia-periferia e antropologia periférica-periferia. Assim, as antropologias que se deparassem com situações semelhantes com as dos filmes, estariam mais preparadas para lidar com questões comuns de violação dos direitos humanos nos países que sofrem com o processo histórico de dominação. A questão do como fazer, sei que não posso responder. Posso apenas sugerir mais ação consciente dessas antropologias em direção ao aumento do diálogo entre as antropologias periféricas, tentando subverter a divisão do trabalho intelectual e tentando nos tornar mais sujeitos da nossa própria história.

Referência Bibliográfica

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM – retirada do site www.onuportugal.pt

CORRÊA DOS SANTOS, Daniela. “Antropologia e Direitos Humanos no Brasil”. In: KANT DE LIMA, Roberto (Org.). Antropologia e Direitos Humanos 2. Niterói, Editora da Universidade Federal Fluminense, 2003.

SCHUCH, Patrice. “Entre o real e o ideal: a Antropologia e a construção de enunciados sobre direitos humanos”. In: Práticas de justiça: antropologia dos modos de governo da infância e juventude no contexto pós-ECA. POA, Editora da UFRGS, 2009.

RIFFIOTHIS, Theophilos. “Direitos Humanos: declaração, estratégia e campo de trabalho”. Trabalho publicado no Boletim da Associação Brasileira de Antropologia, n° 30.

SCHRITZMEYER, Ana Lúcia Pastore. A defesa dos direitos humanos é uma forma de “ocidentalcentrismo”? Trabalho apresentado na 26ª Reunião Brasileira de Antropologia. Porto Seguro, 2008.

RIBEIRO, Gustavo Lins. “Cultura, direitos humanos e poder. Mais além do império e dos humanos direitos. Por um universalismo heteroglóssico”. In: FONSECA, Cláudia, TERTO JR, Veriano, e ALVES, Caleb Faria et al. Antropologia, diversidade e direitos humanos: diálogos interdisciplinares. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.

SOUZA SANTOS, Boaventura de. “Por uma concepção multicultural de Direitos Humanos”. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.). Identidades, Estudos de Cultura e Poder. SP, Hucitec, 2000.

SEGATO, Rita Laura. “Antropologia e Direitos Humanos. Alteridade e Ética no movimento de expansão dos direitos universais”. Mana, vol. 12 n° 1. RJ, 2006.

FLEISCHER, Soraya; SCHUCH, Patrice e FONSECA, Cláudia (org.). Antropólogos em Ação: Experimentos de Pesquisa em Direitos Humanos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007.

BOURDIEU, Pierre. “A Força do Direito: Elementos para uma Sociologia do Campo Jurídico”. Partes I e II. In: O Poder Simbólico. Difel/ Bertrand Brasil, Lisboa/ Rio de Janeiro, 1989.

SITES COM COMENTÁRIOS DOS FILMES:

http://www.geocities.com/contracampo/amaca.html
http://www.apagina.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=3167
http://www.terra.com.br/cinema/festivais/cannes00_samira.htm
http://br.cinema.yahoo.com/filme/13236/critica/9252/criancasinvisiveis
http://www.fm-media.net/news02/1191.htm
http://cinema.uol.com.br/ultnot/2006/03/30/ult26u21237.jhtm
http://outrasviagens.blogs.sapo.pt/15907.html
OBS: Trabalho escrito para a disciplina Antropologia e Direitos Humanos, ministrada pela profa. Patrice Schuch, em 2009/I

terça-feira, 5 de maio de 2009

Eventos em Antropologia/Arqueologia 2009

XXXI Congreso Internacional de Americanística Lugar: Perugia, ItaliaFecha: 5 a 11 de mayo de 2009Más Información

I Jornada de Arqueologia No Cerrado e suas Interfaces com a Arqueologia Brasileira Lugar: Goiás, BrasilFecha: 12 a 15 de mayo de 2009Más Información

Congreso Nacional de Pueblos Andinos Lugar: Tucumán, ArgentinaFecha: 13 a 14 de mayo de 2009Más Información Actualizado 30-ABR-09

IV Jornadas Arqueológicas Cuyanas Lugar: Mendoza, ArgentinaFecha: 20 a 23 de mayo de 2009Más Información

V Encontro Regional Sul de História Oral "Desigualdades e Diferenças" Lugar: Paraná - BrasilFecha: 25 a 28 de mayo de 2009Más Información

III Congreso Internacional Encuentro de Mundos: Pasajes Interculturales Lugar: Rosario, ArgentinaFecha: 27 a 29 de mayo de 2009Más Información

Conferência Internacional Colecções e museus de Geociências: missão e gestão Lugar: Coimbra, PortugalFecha: 5 y 6 de Junio de 2009Más Información

I Congreso Internacional de Arqueología e Informática Gráfica Patrimonio e Innovación Lugar: Sevilla, EspañaFecha: 17 al 20 de junio de 2009Más Información

III Encuentro de Discusión Arqueológica del Nordeste EDAN 2009 Lugar: Santo Tomé, ArgentinaFecha: 24 a 27 de junio de 2009Más Información Actualizado 29-MZO-09

Congresso Internacional de Arte Rupestre IFRAO 2009 Lugar: Parque Nacional Serra da Capivara, São Raimundo Nonato, Piaui, BrasilFecha: 29 de junio al 3 de julio de 2009Más Información Actualizado 29-MZO-09

II Encuentro Argentino y VII Latinoamericano CECA LAC /ICOM.Museos, Educación y Virtualidad. El contexto de América Latina y el Caribe Lugar: Corrientes, ArgentinaFecha: 2 a 4 de julio de 2009Más Información

LIII Congreso Internacional de Americanistas (ICA53) Lugar: México D.F., MéxicoFecha: 19 al 24 de julio de 2009Más Información Actualizado 22-MZO-08

XXIII Congreso Internacional de Arqueología del Caribe Lugar: La Habana, CubaFecha: 19 al 26 de julio de 2009Más Información

XVI Foro Estudiantil Latinoamericano de Antropología y Arqueología - FELAA 2009 Lugar: Coroico - BoliviaFecha: 20 al 25 de julio de 2009Más Información Cambio de SedeAUSPICIA NAyA

I Seminario Internacional sobre Arte Público en Latinoamérica Lugar: Buenos Aires, ArgentinaFecha: 5 a 7 de agosto de 2009Más Información

IX Congreso Nacional de Estudios del Trabajo Lugar: Buenos Aires, ArgentinaFecha: 5 a 7 de agosto de 2009Más Información

IX Congreso Argentino de Antropología Social. Fronteras de la Antropología Lugar: Posadas, Misiones, ArgentinaFecha: 5 a 8 de agosto de 2009Más Información

I Simposio Magistral Sobre Arqueología Colonial Lugar: Cayastá, Santa Fe, ArgentinaFecha: 13 y 14 de agosto de 2009Más Información NUEVO

Congreso Internacional por el IV Centenario de los Comentarios Reales de los Incas Lugar: Cuzco, PerúFecha: 19 al 21 de agosto de 2009Más Información

I Jornadas "Independencia, historia y memoria" Lugar: San Miguel de Tucumán, ArgentinaFecha: 20 al 22 de agosto de 2009Más Información

IV Coloquio de Arqueología. Especialización en técnicas y enfoques recientes aplicados en la Arqueología. Lugar: MéxicoFecha: 24 al 28 de agosto de 2009Más Información

VIII Jornadas de Investigadores en Arqueología y Etnohistoria del Centro Oeste del País Lugar: Rio Cuarto, ArgentinaFecha: 26 al 28 de agosto de 2009Más Información

III Congreso Internacional de Antropología desde la Frontera Sur Lugar: Chetumal, Quintana Roo, MéxicoFecha: 9 a 11 de septiembreMás Información

IV Congresso da APA - Associação Portuguesa de Antropologia Lugar: Lisboa, PortugalFecha: 9 a 11 de septiembreMás Información NUEVO

I Congreso Iberoamericano y VIII Jornada Técnicas de Restauración y Conservación del Patrimonio Lugar: La Plata, ArgentinaFecha: 10 a 11 de septiembreMás Información

XI Coloquio Internacional sobre Otopames Lugar:St. Petersburg, Estados UnidosFecha: 14 a 18 de septiembreMás Información

XV Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira Lugar: Belém - Pará/Amazônia - BrasilFecha: 20 a 23 de septiembreMás Información

II Coloquio"Estructura y Función Institucional de la ENAH" Lugar: MéxicoFecha: 22 al 24 de septiembreMás Información

III Congreso Argentino de ArqueometríaII Jornadas Nacionales para el estudio de Bienes Culturales Lugar: Córdoba, ArgentinaFecha: 22 al 25 de septiembreMás Información

VIII Reunión de Antropología del Mercosur (RAM 2009). "Diversidad y poder en América Latina" Lugar: Buenos Aires, ArgentinaFecha: 29 de septiembre al 2 de octubre de 2009Más Información Actualizado 29-MZO-09

XIII Congreso de Antropología en Colombia Lugar: Bogotá, ColombiaFecha: 30 de septiembre al 3 de octubre de 2009Más Información NUEVO

I Encuentro Latinoamericano de Zooarqueología Lugar: Bogotá, ColombiaFecha: 1 al 2 de octubre de 2009Más Información NUEVO

I Encuentro de Antropología Biológica en Colombia Lugar: Bogotá, ColombiaFecha: 3 de octubre de 2009Más Información NUEVO

XXIII Reunión Anual Comité Nacional de Conservación Textil Lugar: Tucumán, ArgentinaFecha: 5 al 9 de octubre de 2009Más Información NUEVO

XVIII Congreso Nacional de Arqueología Chilena Lugar: Valparaiso, ChileFecha: 5 a 10 de octubre de 2009Más Información Actualizado 30-MZO-09

IV Congreso Nacional de Arqueología Histórica Argentina Lugar: Luján, ArgentinaFecha: 6 a 9 de octubre de 2009Más Información

III Congreso de Culturas Originarias Lugar: Córdoba, ArgentinaFecha: 7 a 11 de octubre de 2009Más Información NUEVO

VI Encuentro Nacional de Estudiantes y Graduados en Museología Lugar: La Matanza, Buenos Aires, ArgentinaFecha: 8 a 10 de octubre de 2009Más Información NUEVO

IV Jornada Internacional de Didáctica de la Historia, Geografía y las Ciencias Sociales Lugar: Caracas, VenezuelaFecha: 13 a 16 de octubre de 2009Más Información NUEVO

III Congreso de Paleopatología en Sudamérica- PAMinSA III Lugar: Necochea, ArgentinaFecha: 14 a 16 de octubre de 2009Más Información

XV Coloquio Internacional de Antropología Física "Juan Comas" Lugar: Mérida, Yucatán, MéxicoFecha: 18 a 23 de octubre de 2009Más Información

II Congreso Latinoamericano de Arqueometría Lugar: Lima, PerúFecha: 19 a 21 de octubre de 2009Más Información

IX Jornadas Nacionales de Antropología Biológica Lugar: Puerto Madryn, ArgentinaFecha: 20 a 23 de octubre de 2009Más Información

V Congreso de Antropología Forense Lugar: Buenos Aires, ArgentinaFecha: 26 a 28 de octubre de 2009Más Información

X Jornadas Rosarinas de Antropología Sociocultural Lugar: Rosario, ArgentinaFecha: 5 a 7 de noviembre de 2009Más Información Cambio de Fecha

V Reunión de Teoría Arqueológica en América del Sur (V TAAS) Lugar: Coro, VenezuelaFecha: 9 a 13 de noviembre de 2009Más Información Actualizado 29-ABR-09

II Jornadas del MERCOSUR y III de la Provincia de Buenos Airessobre Patrimonio Cultural y Vida Cotidiana Lugar: La Plata, ArgentinaFecha: 11 a 13 de noviembre de 2009Más Información Actualizado 4-MZO-09

XV Jornadas Sobre Alternativas Religiosas en América Latina - Estado / Religiones / Cultura / Ciudadanía Lugar: Santiago de Chile, ChileFecha: 11 a 14 de noviembre de 2009Más Información NUEVO

X Jornadas Nacionales y IV Simposio Internacional de Investigación – Acción en Turismo“Aportes de la investigación-acción al desarrollo turístico sustentable” Lugar: Lanús, Buenos Aires, ArgentinaFecha: 12 a 13 de noviembre de 2009Más Información NUEVO
Jornadas de Estudios Indígenas y Coloniales Lugar: San Salvador de Jujuy, ArgentinaFecha: 26 a 28 de noviembre de 2009Más Información

Fonte: Sitios web de NAyA
http://www.naya.org.ar/eventos/

Playing for Change: Peace Through Music


http://www.youtube.com/watch?v=Us-TVg40ExM


From the award-winning documentary, "Playing For Change: Peace Through Music", comes the first of many "songs around the world" being released independently. Featured is a cover of the Ben E. King classic by musicians around the world adding their part to the song as it travelled the globe.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Síndrome do Infrator

Publicado na Carta Capital, 14/04/2009

Por: Phydia de Athayde

O menino tem 14 anos e passou os últimos nove meses na Escola João Luís Alves, uma das unidades do Degase, a antiga Febem, do Rio de Janeiro. Acusado de tentativa de assalto e com histórico de uso de drogas e prostituição, o garoto, durante todo o período de internação, foi obrigado a ingerir quatro medicamentos diferentes por dia. “O juiz pediu uma avaliação psiquiátrica, e acharam que ele tinha algum distúrbio e precisava de remédio para depressão e ansiedade”, diz a mãe. Apesar de pedir ao diretor e à psicóloga da unidade, ela nunca teve acesso à psiquiatra nem ao laudo. “Ele ainda está tomando. Vou visitá-lo todos os sábados. Às vezes ele está aéreo, não fala coisa com coisa, outras vezes, só chora. Ainda acredito na mudança do meu filho. Ele me diz que não é louco, que não quer tomar remédio e que nunca mais quer usar droga.” O uso de medicamentos psicotrópicos, como calmantes e soníferos, não é novidade nas unidades de internação de jovens infratores. Ao contrário, é parte de um passado que a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, deveria ter deixado para trás. “A chamada contenção química era comum na época do Código de Menores, e o Estatuto representou uma ruptura ao estabelecer direitos específicos à criança e ao adolescente”, explica a psicóloga da Universidade Católica de Goiás, Maria Luiza Moura. “A medicalização é uma forma de anestesiar o adolescente e funciona como um tampão para as questões que as unidades têm de enfrentar”, diz a psicóloga, ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Se não é uma novidade, a psiquiatrização volta ao centro das atenções como um reflexo de mudanças tanto na estrutura das ex-Febens quanto na percepção, pela sociedade, do que é considerado “normal” quando se trata de comportamento juvenil. Tanto que a imposição de drogas psiquiátricas a adolescentes que cometeram ato infracional acaba de ser escolhida como um dos casos a receber intervenção exemplar da Associação Nacional dos Centros de Defesa (Anced), que reúne os 37 Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) espalhados por dezoito estados do País. Na apresentação de um relatório nacional sobre violação dos direitos de crianças e adolescentes brasileiros, quatro episódios exemplares, no mau sentido, foram destacados. O primeiro, o caso da menina encarcerada em uma cela repleta de homens na cadeia em Abaetetuba (PA), sujeita a estupros, entre outras violências. Em segundo, a denúncia de tortura e extermínio de doze jovens em Fortaleza, com suspeita da ação de grupo de extermínio formado por policiais e financiado por empresários locais. Outro inclui tortura, abuso sexual e mortes tornados rotina na unidade para jovens infratores Santo Expedito, parte do complexo penitenciário de Bangu (RJ). Por fim, a psiquiatrização, que, apesar de ser disseminada, baseou-se na situação encontrada em uma vistoria no Centro de Internação Provisória Carlos Santos, em Porto Alegre, em 2006, quando 80% dos jovens eram medicados com o antipsicótico amplictil. “Ao entrar na unidade, os adolescentes passam por uma triagem psiquiátrica automática, não prevista no ECA nem nas diretrizes do Conanda, o que configura um abuso”, argumenta Daniel Adolpho, um dos advogados da Anced responsáveis pelo caso de Porto Alegre. “Mais estranho é que a maior parte deles acaba medicada pelo psiquiatra e não por enfermeiros, por conta de eventos cotidianos, como uma dor de cabeça.” O presidente da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (Fase, a ex-Febem gaúcha), Irany Bernardes Souza, explica que a instituição terceirizou o serviço de psiquiatria há cerca de três anos e defende a triagem na chegada dos garotos. “Eles passam por uma avaliação física, dentária, psiquiátrica, psicológica e pela assistente social. A partir dela, discute-se a intervenção”, diz. Souza observa que, desde 2008, quando entrou na Fase, há um aumento no ingresso de jovens usuários de drogas, especialmente o crack. “Este é um dos fatores preponderantes na aplicação de psicotrópicos. Pessoalmente, não sei quais os medicamentos receitados, pois não sou médico, mas asseguro que nossa política é ficar atentos e não permitir a chamada algema medicamentosa.” Souza diz que, historicamente, a maior parte dos internos se enquadraria na avaliação de Transtorno de Personalidade Antissocial, o que “não significa que tenha de ser medicado”, pois a personalidade ainda está em formação. Entra-se em uma área muito nebulosa quando a avaliação psiquiátrica passa a interferir nas decisões judiciais sobre o futuro de um jovem infrator. Há riscos como o de que julgamentos morais sejam travestidos de diagnóstico médico, para citar apenas um. “Não somos contra cuidados médicos, quando necessários, a briga não é essa. Criticamos o uso da saúde mental para contrariar diretrizes construídas nacionalmente”, diz Maria Cristina Vicentin, psicóloga da PUC-SP que estuda a psiquiatrização do adolescente em conflito com a lei. Ela se refere aos preceitos do ECA, que determina no máximo três anos de internação, ou a liberação aos 21 anos completos. O problema começa quando a alegação de uma patologia serve de justificativa para manter os infratores presos. Ainda que com o discurso de que estejam sendo protegidos. “Ato infracional não é doença. Existe um mito de que há uma disfunção psíquica na infração, mas a diversidade de teorias a respeito indica que este é um campo não apenas científico, mas atravessado pela moral”, alerta a pesquisadora. O Transtorno de Personalidade Antissocial (antes designado psicopatia) tem sido usado, judicialmente, como argumento para manter jovens infratores internados. Mas este diagnóstico é controverso mesmo para a medicina. A própria Organização Mundial da Saúde, ao classificar os transtornos mentais, reconhece ser “problemático” estabelecer critérios para o caso e ressalva que “é improvável que o diagnóstico de transtorno de personalidade seja apropriado antes de 16 ou 17 anos”. Na prática, juízes e promotores têm se valido, cada vez mais, de avaliações psiquiátricas para prolongar o encarceramento de infratores. O defensor público do Núcleo da Infância e Juventude em São Paulo, Flavio Frasseto, integra um grupo multidisciplinar contrário ao procedimento. “Há juízes que não querem liberar o infrator por pressão da sociedade. Alegam ‘maldade congênita’ e outros artifícios, como a periculosidade futura, para mantê-los internados. O discurso médico torna-se conveniente e passa-se a dizer que a privação de liberdade é para o bem do adolescente. Aí muda tudo”, diz. Por pressão do Judiciário, o estado de São Paulo criou a Unidade Experimental de Saúde (UES), um local para onde iriam os internos da Fundação Casa (ex-Febem paulista) com deficiências mentais e também aqueles com “distúrbio de conduta”. Em 2000 e em 2005 outras tentativas de lidar com os problemáticos resultaram ilegais, além de desumanas. Na prática, a UES está recebendo os que já cumpriram a internação máxima e, portanto, estão num limbo legal. “É uma Guantánamo paulista, pois não existe regulamentação para controlar a privação de liberdade desses internos. É um equipamento carcerário sem fundamento legal, uma modalidade de privação de liberdade disfarçada de tratamento, à revelia da lei. Aí está o perigo”, diz. “Sabemos dos usos da psiquiatria para criar regimes de exceção”, alerta Maria Cristina. A psicóloga aponta a diferença entre os dois grupos com avaliações distintas nesse campo: um opta por segregar, enquanto outro aposta na educação e na punição legal. “Os chamados intratáveis dizem algo sobre nosso modo de vida. Esses casos nos transtornam, mas acreditamos que podem mudar e não repetir o ato violento”, diz. Ela sustenta o uso correto de medicamentos, bem como internação, “pelo que fez e não pelo que poderá fazer”. Se, esgotadas as alternativas, ele reincidir? “Que seja responsabilizado pelos atos, como qualquer outro.”